O tema de umas disciplinas da EAM é um dos principais elementos da cultura audiovisual contemporânea e movimenta um mercado gigantesco
A rotina se repete há sete meses. Ricardo Barbosa sai de casa na Vila Mariana em São Paulo e pega o ônibus para o trabalho. São 40 minutos de percurso. Para ele, os passageiros estão usando cada vez mais o celular para jogar enquanto viajam. “Eu acho que é uma forma de passar tempo. E os jogos estão melhores e não gastam tanta memória”, revela. A estudante da Universidade de São Paulo, Thaís Mascarenhas, também compartilha dessa mesma sensação. Ela pega o metrô na estação Ana Rosa, zona sul de São Paulo, até a USP na zona oeste e leva mais de uma hora. “Eu ando muito, vejo sempre alguém jogando no celular, até dentro do campus”, afirma. Essa percepção nos depoimentos do Ricardo e Thaís nos faz refletir sobre o aparecimento de uma nova cultura, onde diferentes tecnologias convergem e integram espaços presenciais físicos e ambientes digitais.
Segundo Johan Huizinga, autor do livro “Homo Luden: o jogo como elemento da cultura”, o game é função de vida e uma atividade livre conscientemente tomada como ‘não-séria’ e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. O acesso a esse mundo hoje se dá por redes móveis e conteúdos que convergem por diferentes meios. A imersão nesses espaços é física e a navegação volta a ser o passeio pelas ruas, praças, monumentos da cidade e viagens pelos meios de transporte coletivo. Nesses espaços onde o usuário pode caçar criaturas, usar robôs, ou estudar, abre-se uma janela para o produtor transmídia articular diferentes estratégias para incorporar os jogos e suas linguagens à projetos multiplataformas de mídia em campos diferentes como no entretenimento, jornalismo, educação etc.
A disciplina do curso de Especialização em Produção de Conteúdo Audiovisual para Multiplataforma chamada “Gameficação e Design de Experiências Lúdicas em Multiplataformas” aborda a linguagem dos jogos e suas possibilidades de design, seja para planejar um jogo como um complemento imersivo e narrativo de um projeto de múltiplas plataformas, aplicado à ambientes urbanos a fim de explorar potencialidades desses espaços, ou incorporado à diferentes atividades do nosso dia-a-dia, com o objetivo de engajar cada vez mais pessoas em tarefas ligadas à educação no trabalho, saúde e etc.
As inscrições para a turma 2019 já estão abertas e para se inscrever basta acessar: https://multiplataformas19.faiufscar.com/nova-inscricao-a2186aa7c086b46ad4e8bf81e2a3a19b.html#/
O professor Dario Mesquita (Professor do curso de Imagem e Som e Especialização em Produção de Conteúdo Multiplataformas) é responsável pela disciplina de experiências lúdicas e observa que a participação do usuário é essencial para as mídias e suas extensões. “É importante se pensar em como dar forma a essa participação e como ela pode ser articulada entre diferentes plataformas de forma coesa”, afirma. O aluno vai perceber que quando se fala em games seu foco principal é o usuário e sua experiência projetada. “O aluno precisa entender como sustentar a relação desse jogador com o conteúdo nas mídias”, defende Dario Mesquita.
A disciplina integra o curso que é realizado presencialmente na Universidade Federal de São Carlos, aos sábados e quinzenalmente. As inscrições começam em 1 de fevereiro e vão até o dia 04 de março.
Confira a entrevista com o professor da EAM, Dario Mesquita:
Como a gamificação pode vir a contribuir em um projeto multiplataforma?
A gamificação utiliza-se de estratégias do design de jogos para engajar os sujeitos em uma atividade, atribuindo pontos e recompensas aos usuários durante a experiência. Isso, aplicado à projetos multiplataformas de mídia, pode contribuir para organizar e incentivar a participação do público-alvo, criando ações específicas que construam um senso de progressão na experiência através dos pontos, ou mesmo atividades colaborativas e competitivas com objetivos claros para os usuários. Uma estratégia que pode ser usada para o entretenimento, educação ou mesmo jornalísticos.
Por que pensar em design de experiências lúdicas aplicado às mídias?
Atualmente a participação do usuário é essencial para as mídias e suas extensões. Portanto, é importante se pensar em como dar forma a essa participação e como ela pode ser articulada entre diferentes plataformas de mídia de forma coesa. Nesse sentido, as metodologias projetuais do design podem contribuir para esse objetivo, utilizando-se igualmente de estratégias de jogo que são capazes de engajar as pessoas em atividades diversas, entre as mais simples e complexas, pelo mero prazer de participar de uma ação lúdica, que pode e deve envolver outros usuários.
Que exemplo de projeto de sucesso podemos encontrar nessa área no Brasil?
Um dos melhores exemplos ainda hoje é foi a campanha Zona Incerta, realizada para o Guaraná Antarctica em 2006. O projeto teve como objetivo criar um jogo de realidade alternada, ou seja, uma experiência lúdica que ocorreu através de várias mídias integradas (anúncios publicitários, websites ficcionais e não-ficcionais, televisão etc.) que convidava o público a resolver diversos quebra-cabeças e mistérios narrativos em torno de um cientista que conhecia a fórmula secreta do refrigerante. Em nenhum momento a campanha buscou engajar os participantes a comprar explicitamente o refrigerante, mas buscou oferecer a eles uma experiência única e imersiva atrelada à marca do produto. A ideia nessas experiências não é vender uma marca ou uma narrativa, mas convidar os usuários para construir junto um universo de possibilidades através da participação.
Por outro lado, também temos a franquia da Turma da Mônica que possui uma série de jogos publicados em lojas de Apps para smartphones, explorando as potencialidades de seu mundo ficcional em proporcionar experiências imersivas.
Como o design de jogos pode se relacionar com a prática de um projeto multiplataforma de mídia?
O design de jogos vem há anos buscando inovar em formas diferentes de participação dos usuários. Isso não se aplica apenas para os videogames, mas para toda uma gama de experiências lúdicas que podem acontecer em espaços públicos, na internet, em situações de curta duração em lugares improvisados, dentre outras possibilidades. São características que podem ser ricas para o engajamento do público-alvo de qualquer projeto multiplataforma, que deseje criar uma relação imersiva com os seus usuários. O design de jogos fornece métodos e modos de planejar processos participativos que transcorram junto com a ação das pessoas, encarando a experiência como uma obra aberta em constante transformação. Penso que essa seja uma relação importante a ser considerada dentro de projetos multiplataformas.
Que habilidades são requeridas de um profissional que pensa a relação entre jogos e as multiplataformas?
Primeiramente, ter a sagacidade de perceber o que pode render boas experiências lúdicas em uma propriedade intelectual em um projeto multiplataforma. É ver uma franquia como uma Turma da Mônica e identificar que é possível criar um jogo em torno do mundo rural de Chico Bento, seja com ele correndo para roubar goiabas ou gerenciando a fazenda da família. Também é preciso compreender o público alvo em potencial, e seu universo de consumo de mídias. Esse profissional também tem que saber gerenciar uma equipe com uma formação diversa- artes, computação, educação, comunicação, etc. E, talvez mais importante, que não tenha apego com o que está criando, pois no final é o usuário deverá tomar conta da obra, definindo o que deve ser melhorado, o que deu errado, e o que realmente deu certo na experiência.
Prof. Dario Mesquita é doutorando em Design pela Universidade Anhembi Morumbi, possui mestrado em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (2012) e graduação em Comunicação Social – Habilitação: Jornalismo pela Universidade Federal do Piauí (2006). Professor assistente da Universidade Federal de São Carlos e do Curso Especialização em Produção de Conteúdo Multiplataforma. Editor executivo da Revista GEMInIS. Membro do GEMInIS – Grupo de Estudos sobre Mídias Interativas em Imagem e Som, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som da UFSCar; e do OBITEL – Observatório Ibero-Americano de Ficção Televisiva. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Mídias Digitais, atuando principalmente nos seguintes temas: jogos digitais, design, comunicação, imersão, transmídia e interatividade.