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Atrações de televisão na internet, como séries, filmes e futebol ao vivo, crescem nos EUA e no Brasil e oferecem ao espectador alternativas à TV paga

(Texto publicado originalmente no caderno Ilustrada da   Folha de São Paulo por Nelson de Sá e Tássia Kastner no dia 04.10.2015)

De uma hora para outra, há muito para ver na televisão sem passar pela TV paga. Isso nos Estados Unidos, onde até canais tradicionais de séries e filmes, como HBO, seguem a trilha aberta pelo serviço de vídeo por demanda Netflix, bem como a transmissão de esportes, ESPN inclusive.

Mas o Brasil volta a queimar etapas e já avança nas duas maiores frentes de transformação: séries e filmes por demanda e esportes ao vivo.

Nos EUA, a crescente oferta de conteúdo televisivo via internet resultou num número inesperado, no segundo trimestre: 600 mil assinantes abandonaram as operadoras de TV paga (cabo e satélite).

No Brasil, o número de assinantes de TV paga vinha crescendo em torno de 30% ao ano, até 2012. Em 2013, o crescimento baixou para 11,3%. Em 2014, para 8,7%. Em 2015, o resultado no primeiro semestre levou a ABTA (Associação Brasileira de TV por Assinatura) a projetar crescimento zero no ano.

“A razão nos parece ser claramente a crise econômica, as pessoas estão apreensivas”, diz o presidente-executivo da ABTA (Associação Brasileira de Televisão por Assinatura), Oscar Vicente Simões de Oliveira. Ele argumenta que no Brasil a TV paga ainda tem espaço para crescer, em contraste com o mercado já maduro dos EUA.

Já para o consultor Juarez Quadros, ex-ministro das Comunicações (governo FHC), os assinantes brasileiros estavam pensando em desativar a TV paga e buscar alternativas via internet antes da crise. “As operadoras tentam manter presença com descontos, mas a desativação continua. Hoje o interesse no pacote é a banda larga.”

SÉRIES & ESPORTES

Em setembro, a Netflix completou quatro anos de Brasil, país que se tornou o quarto maior mercado do serviço, hoje crescendo mais fora dos EUA. É o que vem estimulando as produções próprias em outras línguas, caso de “Narcos”, série da Netflix sobre o traficante colombiano Pablo Escobar, feito pelo brasileiro Wagner Moura.

Uma pesquisa divulgada na quinta (1º) pela Conecta, empresa do Ibope, apontou que um em cada três internautas brasileiros (34%) já assistem a filmes e programas de TV por demanda pelo menos uma vez por semana.

Mas é da segunda frente de transformação que vem o que o analista americano Ken Doctor, referência nas mudanças da mídia, avalia como “avanço maior para o consumidor, no Brasil e em outros lugares”: o streaming de esportes.

Desde o dia 15 de setembro, o canal Esporte Interativo apresenta ao vivo pela internet todos os jogos da Liga dos Campeões, com Barcelona, Chelsea, Real Madrid, clubes hoje com torcida no Brasil.

Para Fábio Medeiros, diretor de conteúdo do canal, assistir a esportes on-line “é uma tendência forte no país” e abrange desde os serviços ao vivo de NBA e NFL até os canais pagos tradicionais brasileiros e as operadoras.

Diferentemente desses canais e operadoras, o Esporte Interativo oferece o campeonato via internet sem exigir uma assinatura da TV paga. Isso estaria na origem da resistência das duas maiores operadoras do país, Net e Sky, em colocar o canal na grade. É o que argumenta a Globosat, do Premiere, serviço de futebol pela internet, concorrente do Esporte Interativo, mas que exige a TV paga.

O Esporte Interativo não está sozinho na briga contra Net, Sky e Globo. Neste ano, o controle do canal foi adquirido pela Time Warner e suas transmissões se tornaram a atração da Apple TV no país. O console, que conecta internet e televisor e acaba de ganhar uma nova versão, já homologada no Brasil, oferece aplicativos como a Netflix e seu concorrente, o Crackle.

Outro equipamento popular por aqui para ligar web e TV, o Chromecast, ganhou nova versão, que o Google diz que não demora a chegar no Brasil. A atual faz pouco mais do que conectar o smartphone ao televisor, enquanto a nova, a exemplo da Apple TV, vem com apps, como uma Netflix com acesso mais rápico.

ADAPTAÇÃO

Segundo Márcio Carvalho, diretor de marketing da Net, o modelo de negócio da TV paga é estabelecido por quem produz conteúdo. “É o modelo que faz sentido para eles”, diz, acrescentando porém que “é preciso trabalhar para ir adaptando o modelo”.

Uma adaptação que já começou com o Now, serviço da Net que oferece vídeos também on-line, como a Netflix. Ricardo Sanfelice, vice de marketing da Vivo, que tem o serviço Play TV, vai pela mesma linha, mas prevê mudança mais lenta que nos EUA, pois “aqui não há oferta de banda larga tão abrangente”.

Por enquanto, a atitude da TV paga é mais de resistência do que adaptação. Em agosto, a ABTA atacou o fato de a Netflix não pagar os mesmos impostos da TV paga. E há duas semanas a Câmara dos Deputados aprovou projeto acrescentando a Netflix aos serviços tributados por ISS.

O relator justificou a proposta dizendo que, enquanto a TV paga recolhe ICMS, o faturamento de “quase R$ 500 milhões” da Netflix não era tributado. Questionada, a Netflix não quis comentar.

Ken Doctor, analista ligado ao Nieman Lab, de Harvard, diz que é preciso atenção com “o potencial estrangulamento de acesso e preços que as empresas de TV paga, banda larga e telefonia móvel visam”. De todo modo, “o poder está se movendo cada vez mais para o público”, o consumidor.