Dizer que Todos Nós Desconhecidos seja um filme gay como uma grande parte da crítica tem dito é um sacrilégio reducionista que me dói o estômago quando leio.
Todos Nós Desconhecidos é uma obra de arte acima de qualquer rótulo e suspeita.
Seu diretor Andrew Haigh já tinha nos mostrado que ele não faz cinema por brincadeira como em petardos como Weekend, Lean On Pete e o lindaço 45 Anos. Ele inclusive conseguiu deixar interessante a série chatinha Looking ao dirigir seu longa póstumo.
Mas é aqui nesta coisa linda que Haigh mostra a que veio e que veio com os 2 pés na porta da maneira mais sutil e fofa e romântica e aterrorizante possível.
Para falar do filme em si preciso primeiro falar de Andrew Scott que aqui vive o roteirista melancólico Adam. Scott é um cara de muitos e muitos filmes mas que explodiu fazendo o padre gostoso em Fleabag. É um absurdo hollywoodiano este cara não estar indicado ao Oscar de melhor ator porque não é fácil chegar nesse nível de restrição e explosão em um personagem de um filme com só mais 3 personagens, sendo que as outras 3 pessoas que atuam ao seu lado é gente do nível de Claire Foy, Jamie Bell e Paul Mescal.
Adam, o personagem, é um cara quieto, solitário, que um dia batem à porta de seu apartamento e ao atender vê um cara meio bêbado, bonitão, interessante, com uma garrafa de uísque na mão dizendo que o vê sempre pelo prédio e queira convidá-lo pra beberem e conversarem. E uns beijos, claro, se rolar.
Adam fica super lisonjeado mas recusa o convite e continua na sua noite solitária. Mesmo que o vizinho bebinho, Harry, seja vivido pelo galã da hora Paul Mescal.
No outro dia Adam vai até a casa onde ele cresceu e onde vivia quando aos 12 anos de idade, seus pais morreram em um acidente de carro na noite de Natal.
Ao entrar na casa, Adam reencontra seus pais, seus fantasmas, “fisicamente” vivendo suas vidas como 30 anos atrás, mais novos que o próprio Adam nos dias de hoje.
A partir daí visitas frequentes à casa e a seus pais vão acontecer e para Adam será como que sessões da terapia mais absurda e possivelmente mais eficaz possível.
Ele conta da sua vida, o que faz, conta que é gay, conta como lidou com a morte de ambos e conta de seu novo crush, seu vizinho Harry, que neste momento já passou de vizinho flertando a vizinho que beija constantemente.
Mas o relacionamento dos 2 acaba sendo alimento para os encontros de filho com seus pais mais do que uma história de amor maluca e excitante, apesar de que Adam é o tipo que fala muito quando sente que pode.
O roteiro de Haigh, baseado em um livro japonês chamado Strangers de Taichi Yamada, poderia brincar com o espectador das formas mais óbvias possíveis. Mas ele escolhe contar sua história como algumas historinhas de amor, de (re)encontro, de descobertas e o melhor, de “abrir o coração” de mais de uma maneira.
Adam, o solitário melancólico, aos poucos vai se transformando na nossa frente em Adam o homem forte e poderoso que deveria ter sido desde sempre. E por aí a gente vê o quanto é importante conversar, resolver problemas, lidar com (literalmente) fantasmas e saber que a gente sempre tem que ir pra frente.
Desculpe se esse último parágrafo ficou sendo meio “auto ajuda”, o que não foi a intenção porque de auto ajuda Todos Nós Desconhecidos não tem nada. O filme é uma sucessão de tapas na cara com luva da mais fina e delicada pelica, daqueles que a gente sabe que está levando apesar de nem sentir. Só que chega um momento que o tapinha é tão bem dado que vem a sensação de todos os trocentos que a gente levou antes de uma vez só.
NOTA: