Sabe aquelas pessoas que pegam uma forquilha de árvore e aem pelo meio do mato procurando água, que a gente via direto em filmes?
O inglês Arthur(o), que vive numa cidadezinha italiana, é uma dessas pessoas.
Só que o poder dele é diferente: ao invés de água, ele encontra tumbas etruscas soterradas. E se ele der sorte, tumbas etruscas soterradas e nunca achadas antes, cheias de artefatos, estátuas, joias e o que mais ele e seus amigos conseguirem pegar para vender.
E é por isso que Arthur(o) começa La Chimera voltando de trem pra sua casa depois de passar um tempo preso, enquanto sua gangue toda conseguiu fugir da polícia.
Ao mesmo tempo que Arthur(o) está bem bravo com isso, ele logo perdoa todo mundo, vai visitar sua grande amiga Flora (uma Isabella Rossellini envelhecidamente linda, sábia e a melhor coadjuvante possível) e lá conhece Itália, sua nova aluna de canto e por acaso também sua nova faxineira, já que o método de Flora para aprimorar as cordas vocais vem de exercícios físicos repetidos, como passar roupa, varrer o chão, tudo enquanto Itália treina a voz, já que ela é a mais desafinada das alunas da excêntrica professora.
Itália é vivida pela brasileira Carol Duarte que só não rouba o filme porque a diretora Alice Rohrwacher escreve seus filmes sempre com um personagem masculino absolutamente brilhante, aqui vivido pelo inglês Josh O’Connor como nunca o vimos antes.
Depois do meu preferido Lazzaro Felice, Alice nos entrega mais uma fantasia quase surreal, que se passa de novo em um vilarejo de alguma cidade grande, mas que parece algum lugar perdido no tempo que faz de seus personagens quase que seres de outro planeta, de tão fora da realidade que são.
E também porque La Chimera foi todo filmado em lugares que parecem que realmente pararam no tempo, com ruas de pedra, castelos gigantescos, casas que não deveriam existir mais, com uma lista de locações impressionante que passa pela Toscana, Lázio e Umbria, em vilarejos de uma Itália que parece mesmo não existir mais.
Mas voltando para Arthur(o): o fato de eu colocar o “o” em parênteses é porque depende de quem ou de porquê o chamam, vai de o inglês Arthur ao italiano Arthuro, o que diz muito do filme e principalmente de como O’Connor responde com seu sotaque carregado, seus pronomes errado que em uma cena a personagem Itália, uma brasileira que mora por lá, se oferece a dar aulas de gramática para o inglês e começa, como uma boa aula de gramática italiana, mostrando palavras escritas e como elas são ditas por gestos, com as mãos bem expressivas, bem italianas.
La Chimera é mágico, como são mágicos os filmes da italiana Alice Rohrwacher mas esse é provavelmente o seu filme mais “pé no chão”, menos surrealista, menos “lokão” de todos e mesmo assim é um filme que a gente se perde, no bom sentido, nas pirações, nas doiderices da turma do inglês e de sua sanha por tesouros etruscos, quase que como um “Exército de Brancaleone”, claro.
Ou também nos momentos quase idílicos do inglês na casa da professora Flora, que o considera seu único amiga na vida, onde ele aprende mais com a brasileira Itália do que com tudo que acontece com ele o filme todo.
Ah, um detalhe: a personagem de Carol Duarte se chama Itália e é brasileira e, uma teoria minha, é o alter ego da diretora Alice Rohrwacher, de quem Carol Duarte poderia ser irmã gêmea.
E isso explica muito do quanto uma brasileira chamada Itália é tão importante no filme italiano da diretora mais reverenciada do país de muitos gigantes do cinema.
La Chimera é um drama sobre um inglês perdido na Itália, sobre uma brasileira perdida na Itália, sobre uma italiana dando aulas de canto mas totalmente perdida em sua própria casa e em sua vida.
Sobre segredos de eras passadas vinda literalmente à tona através de poderes mágicos, que como lá atrás, deveriam manter esses segredos por toda a eternidade, então é poder mágico pró e contra, ou que funciona até que outro também funcione e mude o rumo da história.
E mudar o rumo de suas histórias é o que faz do cinema onírico, surreal, supra real, lírico de Alice Rohrwacher único, reverenciado e tão amado.
Por mim, pelo menos.
NOTA: