Berlin Alexanderplatz é a mais nova adaptação do romance alemão, agora transposta para os dias atuais e tenho um imigrante ilegal de Angola como personagem principal.
Em 1983, o mestre Fassbinder lançou uma série também baseada no livro com 15 capítulos de mais de 1 hora cada um, que virou cultuada por muitos, inclusive já tendo sido exibida na própria Mostra de São Paulo.
Desta vez a história do homem que vai se perdendo na vida, a história da desgraça anunciada é realizada de uma forma bem “moderninha” no melhor sentido, com uma trilha atual e bem efetiva e uma fotografia que se apropria do neon e dos cômodos coloridos tão em voga mas que não os usa indiscriminadamente, mas sim como formas de contar a história
Francis (Welket Bungué, da Guiné Bissau que já participou incluive do filme brasileiro Corpo Elétrico) é o imigrante perdido em Berlim que logo descobre que pode ganhar um bom dinheiro vendendo drogas ao invés de trabalhar como “escravo de alemão”, como mão de obra barata na indústria, se arriscando o tempo inteiro.
Ele conhece o traficante todo torto e loiro e não menos abusador de imigrantes Reinhold (Albrecht Schuch do preferido do ano System Crasher), que aos poucos vai vendo em Francis alguém que pode ser seu braço direito. Ou esquerdo, no lugar de seu braço torto.
Reinhold é o cara que por exemplo, não suporta o nome Francis e logo convence seu empregado a ser chamado de Frank, um nome mais alemão para não incomodá-lo tanto.
Mas o alemão não tem nenhum apego por ninguém e para se salvar em um acidente, “empurra” Francis para a morte e ele é salvo por sorte e escondido até sua quase recuperação.
Entra em cena Mieze (Jella Haase), a prostituta alemã, muito loira, muito branca, o extremo oposto do preto africano e seu complementar.
A vida de casal funciona muito bem, ele com seu lado bandido, sem contar para Mieze o que faz exatamente e ela como prostituta, sem contar para ele o que faz com seus clientes.
Mas obviamente a história do livro original é um drama daqueles de desgraça anunciada, que a gente sabe tudo o que vai acontecer, fica esperando e quando acontece, ainda sente medo, raiva, susto, mais raiva ainda.
Berlin Alexanderplatz é contado como um livro, ou uma mini série, em capítulos curtos.
Os primeiros são muito bons, com uma pegada contemporânea de discussões de raça e pertencimento e preconceito do jeito que precisam ser faladas hoje em dia.
No último dos capítulos a história dá uma guinada mais melodramática e o ritmo do filme quase se perde para a redenção das personagens, quando a gente de novo não acredita ainda no que está vendo e espera pelo pior.
Essa caída de ritmo é meio que um respiro da “desgraceira” toda que é a vida de Francis, um cara sem pátria, sem documento, então que em princípio nem existe, que perde a moral e o pouco de princípios que ainda tinha para tentar conseguir sobreviver.
E quando nosso coração volta a bater no ritmo normal, depois da tal respirada, a história volta com tudo e nos dá mais um de tantos chacoalhões que levamos pelo filme.
No Berlin Alexanderplatz do Fassbinder, as mulheres meio que roubavam os holofotes. Hannah Schygulla e Barbara Sukowa eram a estrelas.
Aqui, as mulheres do filme ficam em um quase segundo plano, apesar de Francis ter o amor de Mieze e da sua amazona preta, Eva (Anabelle Mandeng), que sempre está por perto para salvá-lo e que na história original tem um papel maior ainda que no filme.
Este viés mais “macho” tomado pelo diretor Burhan Qurbani leva Berlin Alexanderplatz a um patamar quase misógino se visto sob um olhar diminuto e simplista.
Mas o que salva esse pecadilho é que Berlin Alexanderplatz é narrado pela personagem da Mieze, a puta que salva o bandido, que é sua mulher, sua amiga, sua salvadora e em uma das cenas mais lindas do filme, sua Pietá.
Berlin Alexanderplatz é o que um dos grandes exemplos do cinema mais pop em 2020, do cinema com pretensões artísticas e muitas delas alcançadas e também do cinema que quer contar histórias, quer mostrar personagens com profundidade, com vidas que a gente acredite possíveis e prováveis.
NOTA: 1/2