Imagina o Godard lá nos anos 1960 fazendo um filme de horror em 16mm e preto e branco.
E como ele é Godard, o horror vira um drama tenso com closes absurdos e a edição de som mais bizarra possível.
Esse é Bait, um filme inglês que vem sendo incensado como a renovação do cinema da ilha de Albion.
Bait (Isca) conta a história de uma vila de pescadores na Cornuália que vem sofrendo com a chegada dos ricos a procura da história que eles não viveram, a velha e boa gentrificação.
O problema é que, apesar de alguns comerciantes começarem a ganhar algum dinheiro como nunca antes, não é todo mundo que aceita e se adapta à invasão hipster.
Que o diga Billy, um pescador que não se conforma que teve que vender sua casa a um casal de ricos que a reformou e decorou com motivos náuticos, só que tudo comprado em alguma loja de decoração, para desespero de Billy quando vê o que virou a casa onde nasceu.
Esse casal que chega com seus queijos e espumantes e velas perfumadas não aceita que o pescador pare sua caminhonete velha na porta de sua casa, em frente ao pier, quando ele sai para trabalhar toda manhã.
Esses “invasores” não aceitam que suas filhas durmam com os filhos dos pescadores, obviamente.
Mas comem seus peixes e pintam faixas de estacionamento na rua, tentando “civilizar” os barbudos toscos peixeiros.
Bait é um dos filmes mais tensos que vi ultimamente e sua estética sessentista francesa deixa o filme mais estranho do que deveria ser.
A direção de Mark Jenkin, apesar de parecer desleixada e improvisada, não poderia ter sido mais estudada milimetricamente, decupada até o último frame.
Seus personagens são absolutamente verdadeiros, parece por vezes que estamos assistindo um documentário sobre uma briga sociológica, uma guerrinha de classes, sobre uma invasão moderna onde o algoz gasta mais dinheiro em comida para o final de semana que o conquistado gasta em um mês inteiro para a família inteira.
Jenkin nos mostra a que veio e para onde vai.
Bait é daqueles filmes que arrebata, que deixa o queixo no chão, que engana. Pra melhor.
Bait é um filme que eu vinha lendo um monte a respeito e confesso que estava com um pé atrás, pelo hype exagerado e pela unanimidade.
Bait é daqueles filmes perfeitos, sem uma cena a mais, sem barriga e sem respiro. Você se envolve na vida dos pescadores surrados pelo sol e pelo sal e quando se dá conta está torcendo pra que as garrafas de espumantes estourem nas caras estúpidas dos invasores burgueses.
Confesso que virei mais um evangelizador e prometo espalhar a palavra de Bait.
Vem em mim Mark Jenkin. Vem em mim Martin Ellis.
NOTA: