Poucos diretores vivos são como o inglês Terence Davies.
Isso é um elogio gigante a Davies e uma constatação triste para os nossos dias.
Ao mesmo tempo que os filmes deste diretor e roteirista são casos clássicos de cinema estrutural e até mesmo formal, Terence Davies está há quase 40 anos fazendo filmes quebrando todas as barreiras possíveis.
Em minha primeira empreitada no Festival de Cannes, no longínquo 1988, eu fui ridiculamente impactado por Vozes Distantes, o segundo filme de Davies, uma ode gay passada em Liverpool durante e logo após a Segunda Guerra Mundial.
Eu lembro de ter pensado: pera aí, isso não pode ser assim. Esse filme aparentemente super careta, super certinho, com a luz perfeita, a câmera sempre onde deveria estar, me dá esse monte de socos no estômago com essa história toda? Aqui tem.
E tinha.
Davies saiu aclamado daquela edição do festival e de lá pra cá ele não nos decepciona.
Benediction, seu novo filme, é uma lufada de oxigênio na nossa (minha) memória do quanto esse ícone do cinema LGBT faz falta, já que seu filme anterior era de 2016.
Benediction conta a história ridícula, absurda, que por vezes eu achei que fosse ficção mas não, do poeta inglês Siegfried Sassoon, que tentou desertar do exército durante a Primeira Guerra depois de viver os horrores do front, foi hospitalizado pelo exército à força em uma instituição “psiquiátrica” e de lá saiu para escrever, viver sua vida pós dândi junto a amigos como o poeta T. S. Eliot.
Mas nunca foi fácil para Sassoon, que lidava com dúvidas internas cruéis a ponto de se casar com uma mulher e viver o resto de sua vida miseravelmente infeliz.
O cinema de Terence Davies não é um cinema de concessões. Ele faz questão de nos mostrar, de maneira muito sutil sempre, toda a desgraça do espírito humano e como isso acaba influindo em várias vidas ao redor desses seres infelizes.
Em Benediction, Davies tem em suas mãos Jack Lowden, um ator que se entrega de corpo e alma ao diretor para nos entregar um Siegfreid Sassoon apaixonante, interessante a ponto de eu correr procurar a obra.
O caso de Davies é muito parecido com o de Cronenberg, diretores monstruosos, autores do cinema, que conseguem dinheiro suficiente para lançarem filmes a cada 6, 7, 8 anos e olhe lá, enquanto porcarias são lançadas indiscriminadamente semana após semana no moedor de carne que é a indústria cinematográfica neste final de mundo que vivemos.
NOTA: 1/2