Mank é o mais recente filme (e o melhor depois de tempos) do grande diretor David Fincher que sabe contar uma história como poucos e que levou a sério uma frase dita pelo próprio Herman Jacob Mankiewicz, um dos maiores roteiristas da história de Hollywood, personagem principal e nominal de seu filme “você não consegue capturar a vida inteira de uma pessoa em 2 horas, o máximo que você consegue é deixar a impressão de uma”.
Sabendo disso e inclusive usando essa frase logo no início do filme, Fincher nos presenteia não só com um dos melhores filmes de 2020, mas como um dos melhores filmes já produzidos pela Netflix e na minha opinião, o melhor filme em preto e branco saído de Hollywood neste século.
Porém (e sempre tem um porém), uma coisa que não desceu pra mim é que Mank, à época da história do filme, quando ele escrevia o roteiro do maior de todos Cidadão Kane, ele tinha 43 anos de idade.
No filme ele é vivido pelo oscarizado (e se bobear vai ser de novo por esse papel) Gary Oldman do alto dos seus 62 anos de idade, o que para mim tira muito do prazer de saber que um roteirista muito mais novo que os figurões dos estúdios à época fez o que fez.
Fora isso, Mank é perfeito em todos os aspectos.
A fotografia do colaborador de sempre de Fincher, Erik Messerschmidt, chega a níveis nunca dantes vistos com um claro-escuro tão paradoxal que mal vemos o que não interessa na maioria das cenas internas, mostrando o quanto esse filme foi milimetricamente desenhado e pensado.
Prevejo um Oscar facinho pra ele.
A trilha dos meus preferidos Trent Reznor e Atticus Ross, também colaboradores de carteirinha de Fincher, chega a um novo padrão do que estávamos acostumados a uma obra da dupla.
Dupla, inclusive, que venceu o Oscar de trilha sonora por A Rede Social, também de Fincher.
Já o elenco, ah o elenco.
Gary Oldman, obviamente dá um show particular.
Não há uma única palavra que saia de sua boca (ou da de Mank) que não seja certeira, precisa e cheia de intenções.
Até seus silêncios (que são poucos), suas respirações e seus suspiros parecem ter sido pensados e treinados e dirigidos à exaustão.
Como todos nós sabemos desde sempre, pelo menos eu tenho certeza desde pelo menos Sid and Nancy e Prick Up Your Years, Gary Oldman é o maior ator vivo, o ator a ser admirado, reverenciado e ter como referência de onde o ser humano pode chegar.
Tenho lido um monte de títulos bestas de matérias dizendo “Como Lily Collins e Amanda Seyfried sumiram em Mank”, como se isso fosse um absurdo, um horror.
Para mim a grande virtude de uma atriz ou de um ator é sumir em suas personagens, é nos fazer pensar “quem é essa mesmo? ah, claro” e tanto Amanda quanto Lily cumprem bem esse papel em Mank.
Duas atrizes medianas que conduzidas por um diretor genial como Fincher alcançam níveis que talvez demorassem décadas se continuassem a fazer seus filminhos e suas seriezinhas em Paris.
E que fique claro que eu gosto muito da série em Paris de Lily, uma atriz que eu acho das mais fracas de sua geração, pé frio de tudo que não emplaca um filme bom em sua carreira e que veio em Mank me provar errado.
Para terminar queria dizer que Fincher querer contar uma história de um roteirista, por mais famoso que ele tenha sido, escrevendo o maior filme de todos e que mesmo assim sempre foi esquecida nos cantos empoeirados da história de Hollywood já que o glamour não existe neste homem que preferia passar noites bebendo até cair citando Shakespeare e falando como ninguém a sua volta e que talvez por isso mesmo as câmeras e os holofotes não fossem seus maiores seguidores, mostra o quanto Fincher ama o cinema, ama Hollywood, ama a história.
E para nossa sorte, que bom que existe a Netflix que lhe deu rios de dinheiro para que tirasse esse filme do papel e nos mostrasse o quanto os bastidores e um pouco de erudição vale mais do que todos os vestidos brilhantes e os charutos e as bebidas mais caras e o poder e os gritos de quem, ao final, aparece.
Viva Mank.
NOTA: