Por um período muito mais breve do que eu esperava e desejei, trabalhei com o grande Hector Babenco que me disse que um de seus trabalhos mais difíceis e desafiadores foi Ironweed, o tour de force que ele dirigiu com Jack Nicholson e Meryl Streep por causa do sucesso de O Beijo da Mulher Aranha.
Numa tarde em sua produtora, no que eu considero hoje uma aula magna particular, ele me explicou as razões de ser insano fazer um filme onde o personagem principal (e obviamente o ator que o interpreta) está em cena por 95% do longa, sendo que os outros 5% são flashbacks, quer dizer, mesmo personagem, diferente ator.
Ironweed é um grande filme mas não um dos melhores de Babenco, que foi um dos mestres do cinema incontestável.
Sergio é meio isso também, um filme onde o personagem título fica 100% em cena, um dos grandes desafios do cinema.
Se para Babenco lhe custou anos de sanidade, imagina para um diretor que não fez nada relevante em ficção antes de se aventurar na biografia do brasileiro Sérgio Vieira de Mello, o oficial da ONU morto em um ataque da Al Qaeda em Bagdá em 2003.
O filme é estrelado e produzido por Wagner Moura, co-produzido pela Netflix, numa de suas melhores atuações e o que só faz com que se confirme minhas previsões de que ele vai ser o primeiro brasileiro a vencer um Oscar.
Se o cara dá um showzinho num filme meia boca com um roteiro médio com diálogos sofríveis, só imagino o que ele vai fazer quando achar o papel certo.
Moura diz que quis fazer esse filme porque quer mostrar cada vez mais para o mundo o homem latino fora do espectro óbvio preconceituoso do cinema de Hollywood.
Achei um pouco demais ele dizer depois de ter feito Pablo Escobar, mas depois pensei que talvez tenha sido por isso mesmo que ele tenha feito Sergio e Marighella.
O problema de Moura é que os direitos da história de Sérgio Vieira de Mello estavam nas mãos do diretor Greg Barker, um documentarista razoável que fez um filme sobre o próprio logo depois de sua morte trágica.
Barker com certeza cedeu os direitos com a condição de dirigir o filme, o que poderia ter sido lindo se a pegada de documentário ou de uma trama de thriller jornalístico tivesse conduzido o filme.
Mas eles escolheram contar a história do brasileiro que estava mudando a cara da ONU com base no seu romance com sua última esposa, vivida pela talentosíssima Ana de Armas.
Sergio tinha tudo para ser um grande filme, tanto que no terço eu estava amando a ideia de contar a história com uma edição em vários tempos de flashback, o tempo que eu achei que fosse o atual e o flash forward.
Mas para uma artimanha dessas funcionar, o roteiro tem que ser muito, mas muito bem amarrado, com muito foco.
Acontece que Sergio acaba quase parecendo uma comédia romântica que se passa em vários países em guerra.
O oficial da ONU enviado para acabar com conflitos radicais diplomaticamente se apaixona por uma mulher fascinante com visão de mundo parecida com a sua e juntos eles vivem um romance muito fofo de sedução entre uma xícara de café e uma bomba explodindo na rua de trás da embaixada.
Em Sergio, Wagner Moura está em 100% das cenas até porque o filme tem o nome de seu personagem. O problema é que nem o diretor, nem o roteiro estavam à altura dessa empreitada. Longe disso.
Sergio não é a porcaria que todo mundo está dizendo ser mas não é uma sequência linda de uma artesã do Timor Leste falando que ela queria ser uma nuvem que vai salvar a oportunidade perdida de contar a história do quase super herói brasileiro que a gente tanto precisaria ouvir nesse momento de país sendo atacado pelos super vilões.
NOTA: 1/2