2019 foi (tem sido ainda?) um ano lindo para os documentários.
Tinha certeza que, dentre tantos bons, Honeyland era o melhor do ano.
Até assistir One Child Nation da Amazon.
Os 2 filmes não poderiam ser mais opostos esteticamente. E em princípio bem diferentes também filosoficamente.
Mas se pensarmos bem, os 2 filmes são primos distantes, ambos falando de mundos e histórias que aparentemente não existem mais, só que influenciam a vida de muita gente até hoje. Pro bem e pro mal.
One Child Nation é dirigido por uma chinesa, Nanfu Wang, que nasceu nos anos 1980’s na China da proibição de famílias terem mais de um filho.
Sim, isso existiu por lá e a lei só foi revogada poucos anos atrás.
A lei foi criada porque a China tinha alcançado um nível populacional insuportável para sua economia. Diziam que se crianças nascessem ao ritmo que vinham nascendo, a China não teria como alimentá-las e um dos finais da população, a maior do mundo, seria o canibalismo.
Óbvio que propaganda do mal. A mamadeira de piroca deles.
Mas a lei foi imposta nos idos dos anos 1970’s e as famílias só poderiam ter 1 filho.
Fim.
Sem papo, sem conversa, sem choro.
Com isso, alguns probleminhas aconteciam.
Se nascesse uma menina como primogênita, a maioria das famílias não aceitava e colocava a recém nascida em cestas e as deixavam em mercados, em portas de instituições governamentais e na maioria dos casos, em ruas e estradas.
Foram criadas forças governamentais de vigia dessa lei que saíam pelo interior do país atrás de mulheres que estivessem grávidas de segundos filhos e as capturavam e realizavam abortos, não importando a idade do feto. Como diz uma dessas “aborteiras”, geralmente com 8 ou 9 meses de gestação.
Nanfu, a diretora do filme que tem nome de homem e, por sorte de seus pais, tem um irmão mais novo, mesmo com a proibição, com 20 e poucos anos de idade vai estudar nos EUA e começa a pesquisar sobre a lei do filho único porque lá descobre a quantidade enorme de crianças (meninas) chinesas adotadas, pelo mundo todo.
Daí nasce este filme que é uma porrada no estômago atrás da outra.
Não só ela descobre segredos em sua própria família próxima de crianças que nasceram quando não podiam como descobre segredos que nunca foram, por razões obviamente escrotas, divulgados pelo governo chinês.
As pessoas que ela entrevista tem histórias que parecem terem saídas de um filme de terror bem sádico e desalmado.
Um artista que não se conforma com a lei e resolve registrar regiões de pobreza inerente e acha em meio ao lixo, fetos descartados inadequadamente.
Um fiscal que viaja pelo interior procurando famílias que quebram a lei e promete que se a mulher não abortar, ele vai queimar a casa da família e prender todo mundo.
A “aborteira” que sofre com a quantidade ridícula de processos que ela fez e que hoje em dia tenta se redimir fazendo o extremo oposto.
A tia da diretora, o tio da diretora, todos com segredos horrorosos.
Mesmo seu avô, que só tem fotos com seus netos homens e ela percebe que nunca tirou uma foto com ele.
A família que virou traficante de crianças abandonadas nas ruas, com a conivência de órgãos do governo.
Isso tudo acabou com o canibalismo inerente?
O que interessa é que o filme conta, finalmente, uma das histórias mais bizarras da humanidade, sem exagero, onde alguém espertão de algum governo teve uma ideia escrota que de alguma forma durou por décadas e acabou com a vida de muitas famílias que sofrem com isso até hoje.
NOTA: