Preciso confessar que o bode que eu tenho com Bob Dylan vinha me privando da experiência maravilhosa que foi assistir Um Completo Desconhecido, o #alertafilmão do grande diretor e roteirista James Mangold.
O bode foi maior ainda quando o pretensiosamente escrotinho Timothée Chalamet falou em seu discurso ao receber o prêmio de melhor ator no SAG que ele quer ser reconhecido por ser um dos maiores de todos os tempos, nível Viola Davis, Marlon Brando e Daniel Day-Lewis.
Na hora eu disse que ele precisava comer muito arroz e feijão pra um dia chegar lá mas agora eu digo que o arroz e feijão que ele vem comendo é poderoso porque ele como Dylan é estupidamente bom.
Mas não por acaso porque o roteiro de Um Completo Desconhecido é uma aula de escrita, uma aula de como contar uma história que se passa em meia dúzia de lugares, onde as discussões são praticamente as mesmas o tempo todo e onde a tal da “jornada do herói” vai acontecendo aos poucos e onde o herói é um dos maiores anti heróis da música e mesmo assim é o único letrista que venceu o Nobel de literatura. E claro, como todo bom anti herói, não foi receber o prêmio em mãos.
Mas o pix de 1 milhão de dólares caiu lindamente.
Um Completo Desconhecido conta o início da carreira de Dylan, quando em 1961 ele chega a Nova York a procura de um Woody Guthrie doente, seu herói musical, até o momento que ele “se eletrifica”, o primeiro “escândalo” de sua carreira, quando ele em 1965 lança seu disco “de rock” e faz uma apresentação fechando a edição do Folk Festival e contra tudo e contra todos, faz um show com uma banda de rock, com os instrumentos plugados e fazendo muito barulho, para uma audiência de “beatniks sem graça”, como disse Johnny Cash, que inclusive emprestou seu violão acústico a Dylan para um bis folk.
O resto do filme, ou o filme todo, entre o momento da chegada de um perdido em NY e o final de Dylan elevado a próxima estrela do rock, ele namora, briga, é chato, tem casos, escreve, não toma banho, apanha, vai, volta, vai de novo, ouve os amigos, não ouve os amigos, vai crescendo poeticamente, vai crescendo como cantor, vira referência do folk, vira um grande compositor, tudo à nossa vista.
Nada do que já não tenhamos visto em vários filmes sobre rock stars?
Nada.
Só que o diretor James Mangold, o cara que fez Logan (que eu amo), que fez Johnny & June (que eu amo), que fez Os Indomáveis (que eu gosto muito) dentre vários outros, aqui acerta na mosca com uma direção que deve ser venerada e ensinada nas escolas.
Mangold pega Chalamet pelas mãos e o conduz por um caminho cheio de buracos, altos, baixos e pirambeiras de uma história conhecida mas que antes ninguém ousou contar desta forma. Claro que não podemos esquecer do filme do Todd Haynes que é um delírio artístico dos melhores.
Ao fazer um filme “caretinha” esteticamente, Mangold foi fundo nas almas de suas personagens e me fez não só entender “a cena folk”, como eu costumo chamar pejorativamente por achar esse tipo de música chato demais (mea culpa), mas enxergar de uma vez por todas a importância (sim, eu já reconhecia mas não queria enxergar) de um Bob Dylan revoltado, politizado, já punk em 1960 e poucos, fazendo o que queria do jeito que queria mas em princípio sem ser o escroto que já li que ele foi.
Um Completo Desconhecido é a prova de que o gênero tão odiado de filmes biográficos sobre músicos ainda tem muito o que oferecer, como vemos em tantos filmes bons sendo lançados ultimamente. E que um projeto desses, que demorou pelo menos 5 anos para ser produzido e lançado, é a esperança para que venham muitos mais por aí.
NOTA: