Queer é o filme onde de uma vez por todas a gente assume e aceita que o italiano Luca Guadagnino é SÓ um diretor bom, que faz filmes bons e muito bem feitos mas que não passam disso.
Não sei de onde veio essa euforia que temos que ele seria talvez o salvador do cinema, o cara que faz 2 filmes por ano e todos os seus filmes são obras de arte porque não são.
Queer é um quase horror dirigido por um fã (Guadagnino) histérico do David Lynch.
Os closes em cortes explicativos, as cores, a fotografia quase publicitária, os cenários quase expressionistas com um pé no que há de mais gay no Almodóvar, até o Caetano Veloso na trilha do Trent Reznor é herança do espanhol, tudo feito da forma mais competente possível.
É o quase genial, se não fosse cada vez mais derivativo.
E tá tudo bem.
Eu adorei Queer, como adorei O Quarto ao Lado do Almodóvar, mesmo não sendo filmes maravilhosos. E que por motivos diferentes acho que sejam ambos derivativos. Almodóvar dele mesmo, sendo mais palatável para os EUA e Queer como um amálgama de várias outras cinematografias.
Queer é baseado no livro homônimo do William S. Burroughs sobre Lee, um americano gay que foge dos EUA da década de 1940 por ser considerado um criminoso, já que é viciado em heroína e por lá a droga é proibida.
Ele vai parar na Cidade do México (quase tão artificial quanto a Las Vegas de estúdio de O Fundo do Coração do Coppola) e fica perambulando belos botecos gays da cidade atrás de droga e de sexo.
Até que ele conhece Eugene, um jovem lindo, menos desesperado mas também a procura de aventuras por esse mundo diferente (e nem tô falando do criado pelo Guadagnino).
A relação entre os dois acontece por total insistência do mais velho, o que mostra muito de seu “jeitinho”, o do viciado, do noiado no que for: drogas, bebida, um homem interessante.
A obsessão pra mim é o maior tema da história, nem tanto o “queer” do título já que hoje em dia o “ser queer” já não é tão “estranho” como era lá nos 1950 quando se passa o filme.
Um ponto alto do filme do Guadagnino é a luz bastante “moderninha”, estilizadíssima, assim como a direção de fotografia do Sayombhu Mukdeeprom em geral, com os planos estranhos e as câmeras “tortas” com suas grandes angulares, dá um ar contemporâneo ao que poderia ser bem datado. Mas não para Guadagnino que usa e abusa de uma direção de arte lindíssima, como há tempos não via em um filme dele mesmo.
A segunda parte do filme é uma ode (diferente mas filosoficamente a mesma) daquela obsessão inicial, só que agora Lee está atrás de uma droga conhecida como iage, existente na Amazônia colombiana, capaz de aumentar a possibilidade de telepatia.
E lá vai o casal, que não é casal propriamente dito, atravessar as Américas para viajar um pouco mais ainda. E a gente sabe que uma viagem ao coração da floresta, principalmente a amazônica, é sempre uma viagem para dentro de si, que não necessariamente seja agradável.
Lee vai entender isso quando encontrar uma médica americana que vive no meio do nada estudando o iage, que é também conhecido como ayahuasca, nosso bom e velho daime.
Como não poderia ser diferente, toda a parte final do filme na floresta é super estilizada o que me irritou um pouco, já que tudo tem muito cara de cenário sem dinheiro.
Queer começa como um filme do Cronenberg se tivesse sido dirigido por um imitador bom de David Lynch. Só não foi bom o suficiente para que seus personagens fossem estranhos o suficiente, o que fez uma falta enorme já que tudo é tão plastificado que personagens lynchianos dariam um grau de estranheza maior ao filme, que é exatamente o que eu acho que falta a Queer.
Enquanto não vi o filme fiquei pensando no quanto Daniel Craig era apropriado para viver o doido Lee e o cara acertou na mosca. De cara Craig mostra a que veio, chegando com os 2 pés no nosso peito indo do 0 ao 100 quando a gente menos espera, sendo também esse um elogio enorme ao roteiro.
Eugene é vivido pelo bonitão e muito bom ator Drew Starkey, um cara que também vai do blasé ao apaixonado em um beijo ou um carinho de Lee em suas costelas.
O casal improvável e ao mesmo tempo quase perfeito se completa e se compensa que me fez sempre esperar o que um diria para o outro em todos os momentos deles juntos, já que a partir de um momento, um não existe, ou melhor, não é interessante sem o outro.
NOTA: