Vingt Dieux é uma expressão francesa que meio que serve como “cacete”, “caramba”, quando a gente fica surpreso com alguma coisa.
Totone, o moleque principal, ops, o personagem principal deste filme, não se surpreende com muito e a única vez que ele solta um “Vingt Dieux” é quase que uma revelação total do que está por acontecer e um alerta pro espectador não parar de prestar atenção nos mínimos detalhes da história.
Não que a gente pudesse se distrair com um roteiro perfeito que a diretora Louise Courvoisier escreveu para sua estreia nos longas, muito baseado em sua infância na mesma região do Jura, um meio do nada francês caipira atee o fim onde a molecada, como seu Totone, passa o tempo bebendo, indo a festinhas nos sítios, brigando e dando uns beijos de vez em quando nas meninas que fazem meio que as mesmas coisas.
Só que o pai de Totone morre em um acidente de carro e o menino precisa então tomar conta de sua irmã de 7 anos de idade, vivida por uma atriz que eu JURO ser a Lady Gaga criança. E do jeito que essa mulher tem dinheiro, se bobear é a própria Gaga disfarçada e andando ajoelhada.
Totone imediatamente passa das bebedeiras para arrumar qualquer tipo de emprego para pagar suas contas e sustentar a irmã, mas o jeitinho estouradinho do loirinho não ajuda muito e ele precisa inventar o que fazer sem o pai por perto, sem família nenhuma por perto, só com outros 2 amigos adolescentes para lhe ajudar.
Ele resolve, como todo mundo no Jura, produzir queijo e ganhar o prêmio de 30 mil euros de melhor quijo da região. Pra isso ele usa o equipamento antigo largado do pai e rouba leite da fazenda de uma garota tambeem órfã, mas que já produz o melhor queijo da região e que tem uma quedinha pelo pivete.
Sim, Totone é moleque, adolescente, pivete, brigão, truqueiro, ladrãozinho mas também é alguém que não deixa de cuidar muito da irmã mais nova, não larga seus amigos e gosta também da adolescente dona da fazenda, mesmo que roube o leite premiado dela, já que suas vacas só comem mato e flores, daí o segredo de seu queijo campeão.
O cinema da diretora Louise Courvoisier aqui já se mostra alguns passos além do que seria óbvia.
No início do filme eu achei que ela partiria para uma pegada meio Lucrécia Martel, um filme delicado e potente ao mesmo tempo, com muitas nuances metafóricas em suas imagens. Mas Courvoisier foi mais esperta e ao invés de nos fazer tentar entender as metáforas, joga na cara do espectador o que ela quer que a gente entenda mas de uma forma não óbvia, não mastigadinha.
Seu filme caipira é meio que uma ode ao “caipira” em si, às pessoas sem firulas mas com muita sabedoria, às pessoas que se esforçam tirando forças não se sabe de onde para realziar trabalhos que dependem de muito mais potência que seus corpos precários podem oferecer.
O drama de Totone não é melodramático, é um drama sincero, de verdade, como é todo elenco do filme, gente do mato que passou por meses de testes e preparações para dar o texto mais verossímil possível.
Vingt Dieux é cinema no seu mais alto nível de criação e realização, um filme que leva a tantas possibilidades de indagações como a produção rural desassistida, ou a juventude perdida, ou a possibilidade de turismo caipira ou mesmo a possibilidade da cultura caipira ter seu lugar de destaque em uma indústria não propensa ao que não for “novo”.
Louise Courvoisier conseguiu demais. Que venham os próximos.
NOTA: