O dinamarquês A Garota da Agulha é tudo o que o Nosferatu do Eggers tentou com força e dinheiro ser e falhou miseravelmente.
A Garota da Agulha é em preto e branco, é filme de época, é baseado em história real (o Drácula não é real tb?), tem uma ótima jovem atriz como personagem principal e tem o pior e melhor e mais cruel vilão dos últimos tempos, daqueles que vão entrar para a história do cinema.
O roteiro genial de A Garota da Agulha é baseado história de uma serial killer que viveu em meados do século XX e ficou notória por matar recém nascidos.
Tem horror maior que esse?
A Garota da Agulha é Karoline, uma jovem viúva que vive em estado de petição e perdição, já que seu marido sumiu durante a Primeira Guerra e a deixou na penúria. Mesmo trabalhando em uma grande confecção de roupa, quebrando agulhas porque agora elas produzem uniformes, Karoline não consegue pagar seu aluguel e mal sobra dinheiro para comprar comida.
Quando ela percebe que o dono da confecção está sutilmente dando em cima dela, Karoline fica feliz por ser amada novamente, depois de ficar abandonada por tanto tempo.
Logo ela engravida, fica feliz porque vai se casar com seu novo amor mas obviamente que a mãe baronesa e dona do dinheiro todo proíbe seu filho herdeiro e amado de se casar com uma funcionária pé de fábrica. Como a gravidez já não pode ser interrompida, ela diz demite Karoline e diz ao filho que se ele continuar com o romance, vai ser sem dinheiro e sem apoio nenhum.
Claro que o pulha cai fora e Karoline desesperada usa outra agulha para tentar abortar nos banhos públicos, em uma das sequências mais nervosas e bem filmadas possíveis.
Ela é amparada pro Dagmar, a dona do doceria da região que também vende crianças, e diz para Karoline que assim que o nenê nascer, por uma quantia razoável de dinheiro ela pega a criança e oda para algum casal que procura filhos, mesmo isso sendo proibido por lei à época.
Nesse meio tempo o ex marido de Karoline reaparece, sem uma parte da cara, desfigurado horrivelmente como num HQ de Preacher. Ela o acolhe mas não aguenta suas crises e seus traumas.
Quando ela vai entregar sua recém nascida à doceira, Karoline nnao tem dinheiro para pagar o serviço e diz que pode pagar trabalhando como vendedora na loja de doces e por lá acaba morando e entrando para a família da mulher, que tem uma filha de 7 anos de idade que ao mesmo tempo que é muito esperta, acaba mamando no peito de Karoline, que vira ama de leite por não ter mais a filha e continuar produzindo leite.
O que acontece daqui pra frente é a prova cabal de que o diretor Magnus Von Horn é um dos grandes autores do cinema atual, recriando a história da serial killer como se fosse sua própria, de tão íntimo que ele é de suas personagens, das nuances do drama e principalmente das profundezas do horror.
A Garota da Agulha se passa em uma Copenhague, que parece ser a pior, mais fria, mais abandonada da história da humanidade. Von Horn criou o cenário perfeito para sua história de horror da vida real onde os prédios são de pedra gelada, de madeira podre e o chão parece coberto de sujeira, já que todas as casas e apartamentos que vemos não tem água, não tem banheiro e como os porcos menos bem cuidados de todos, as pessoas dormem e vivem e comem onde fazem suas necessidades corporais, fazendo com que desapareça uma grande parte da humanidade, do cuidado que alguém que pensa possa ter, com noções de higiene bem duvidosas pelas condições que vivem mesmo.
Von Horn nos apresenta personagens profundas e interessantes, mesmo que o interesse venha do lado obscuro de suas almas. E porque não de seus corpos. Seu filme é Kubrick, é Hitchcock, é clássico, é ousado, é usar as referências para contar a história e não só para copiar e dizer que homenageou.
Esse Magnus Von Horn é o máximo.
Karoline tem uma moral bem duvidosa mas sofre a cada momento que precisa fazer escolhas, certas ou não. O que acaba sendo a melhor personagem possível para uma atriz do nível de Vic Carmen Sonne que vai a extremos físicos e principalmente faciais para contar a história da garota que quando pode usa uma agulha para resolver seus problemas.
O que me deixou muito, mas muito impressionado em A Garota da Agulha foi ver a diva dinamarquesa Trine Dyrholm como a doceira viciada em éter, que adora ir ao cinema e ficar doida e dar risada enquanto assiste um filme com música portuguesa.
A Dagmar de Trine é uma aula de interpretação, ao mesmo tempo que a Karoline de Vic é outra aula, mais uma prova que o diretor Von Horn é O cara. Meu medo é ele ser “sequestrado” por Hollywood e se perder por lá. Mas torço para que ele trilhe um caminho parecido com o do alemão Edward Berger que estreou bem inglês com Conclave.
Se A Garota da Agulha tivesse uma Netflix por trás, o filme seria não só concorrente ao Oscar de Filme Internacional mas poderia ter sido mais um horror explodindo no Oscar como A Substância está fazendo.
Pra terminar, o que me deixou mais feliz além disso tudo é ver mais um horror explodir dessa forma no Oscar, e se tudo der certo pra muito mais gente. Os vilões super cruéis são os melhores, suas histórias são as melhores, os monstros dominam, são heróis mal vistos mas cada vez mais a gente vê que o horror é o cinema do nosso tempo, já que nada tem sido mais horroroso do que o nosso dia a dia.
Já pensou que hoje em dia o horror é praticamente a nossa comédia romântica?
Ah, claro que um #alertafilmão só poderia estar no Mubi. Corre.
NOTA: