Outro dia eu disse que Anora, o filme que levou a Palma de Ouro em Cannes 2024, era um filme maravilhoso mas não merecedor do prêmio, na minha opinião, claro.
No mesmo festival, o juri que premiou o filme do Sean Baker concedeu o Prêmio Especial, que é meio que um segundo lugar de pena, a esse drama iraniano que tirou meu chão.
A Semente do Figo Sagrado é o novo filme do diretor Mohammad Rasoulof, o cara que venceu Berlim alguns anos atrás com meu preferido Não Há Mal Algum, outro petardo crudelíssimo.
Desta vez Rasoulof conta (mais) uma história de uma família iraniana com problemas. A gente ama essas famílias problemáticas iranianas, a gente sabe quais são os problemas e principalmente como terminam essas histórias.
Aqui é diferente. Médio.
Antes de falar da família, é legal falar do título do filme, explicado no início.
O figo sagrado é uma árvore cujas sementes são carregadas por passarinhos que as largam em outras árvores. As raízes nascem e crescem de cima pra baixo, enquanto estrangulam a árvore hospedeira que finalmente morrem e ali vive mais um Ficus Religiosa.
Essa historinha ilustra o filme da família do juiz Iman, que em seu novo cargo assina sentenças de morte e começa a viver com medo e por isso, anda armado pra cima e pra baixo.
Sua esposa e suas 2 filhas precisam entender esses novos dias de (in)segurança, principalmente suas 2 filhas jovens que começaram a repensar as tais leis de Deus que regem o Irã, depois de incontáveis passeatas e brigas com a polícia de mulheres que não querem mais usar hijabi, onde uma delas foi morta, na vida real, e deu início a um conflito interno que prendeu muita gente e consequentemente, muitas dessas pessoas foram condenadas à morte, com assinatura de Iman no documento.
O diretor Rasoulof usa muitas imagens reais dos eventos, dos conflitos de rua, para nos situar na tensão do país enquanto a história do filme se passa dentro do apartamento da família, numa ideia de colocar uma super lente de aumento numa situação geral caótica através de outro caos que acontece nesse lar.
Como a mãe diz, suas filhas são jovens, adolescentes, com ideias diferentes porque conhecem pessoas diferentes na escola.
Só que essas ideias diferentes as fazem questionar o pai, o provedor, o tirano em pele de cordeiro.
Eu não acreditava que o diretor que fez Não Há Mal Algum estivesse fazendo só um filme sobre um probleminha acontecido na casa de uma família “burguesa” iraniana nos dias de hoje, mas Rasoulof vai nos atacando descaradamente com situações as mais diversas de violência, algumas explícitas, outras nem tanto mas incômodas o suficiente, que já virou a marca do diretor.
A evolução de seus personagens é o ponto alto deste filme, onde bem devagar vamos descobrindo a real face das pessoas dessa família que já são nossas íntimas. Só que ao viverem situações cada vez mais “extremas”, pai, mãe e filhas vão não só nos mostrando quem realmente são mas também vão descobrindo o quanto seus próximos escondem.
Voltando a Cannes, este A Semente do Figo Sagrado eu diria ser um filme tão atual quanto Anora, tão importante quanto Anora, tão bem feito quanto Anora mas a ousadia é incomparável, muito porque Rasoulof fez de novo um filme totalmente anti governo, o que já causou 3 prisões anteriores, inclusive ele estava preso quando venceu o Festival de Berlim.
NOTA: 1/2