Se o documentário Will & Harper se chamasse Hareer & Will, tenho certeza que o filme seria bem diferente e não tão condescendente como eu achei que fosse.
Will & Harper é uma bela de uma ideia: “o grande astro de Hollywood” Will Ferrell (como eles repetem ad infinitum no filme meio passivo agressivo), convida sua amiga de 27 anos Harper Steele para fazerem uma viagem de carro pelos EUA para aproximá-los um pouco.
A explicação é que Harper é uma mulher trans, que se transicionou há pouco tempo, e antes era roteirista muito próxima de Will Ferrell, em Saturday Night Live.
Antes de sua transição, Steele gostava de ir a botecos lixo, bar de caminhoneiros e de motoqueiros, gostava de atravessar o país dirigindo caminhões, frequentar lugares bem longe do star system que poderia frequentar se quisesse.
Hoje seus amigos e familiares entendem o porquê. Steele é uma mulher trans, que se incomodava com tudo a sua volta porque viveu no armário até seus 50 e tantos anos de idade.
Ferrell tem a ideia de tentar frequentar esses mesmos lugares com Harper, agora uma mulher trans, lugares que são absolutamente transfóbicos, principalmente nos EUA pós Trump. E lá vão os dois.
Como no filme da Celine Dion, que não me convenceu por ser roteirizado demais, eu aqui super entendo as intenções todas do filme, mas tudo me parece um grande tentativa frustrada de fazerem piadas onde piadas não existem.
Essa roteirização prévia de documentários a nível de falas mesmo, de entrar nos lugares já com ideias prontas de como chamar a atenção das pessoas, como fica claro na sequência do restaurante onde Will vai de Sherlock Holmes, ou no outro restaurante onde Will vai de empresário da Dolly Parton, as coisas soam falsas demais e as tais intenções pra mim vão por água abaixo.
Não tem como uma mulher trans de 60 anos de idade entrar em um bar de motoqueiros, no meio do nada, cheio de placas trumpistas e sair de lá viva se não fosse com uma equipe de câmera junto.
Tá legal, ela entrou, conversou com um povo, foi tranquilo por causa da equipe de câmera mas quando ela chama o Will Ferrell a coisa muda de figura e todo mundo cerca o astro e trata bem sua amiga… porque é amiga do astro.
Quando eles lêem os tuítes horrorosos e ofensivos de pessoas que estavam em outros lugares onde eles passaram é de cortar o coração.
O astro de Hollywood está viajando com sua amiga trans de 61 anos de idade para mostrar que ela é uma “pessoa normal” mas em um evento tira fotos e conversa com um governador de estado que aprovou leis LGBTQfóbicas radicais.
Em vários momentos do filme Will chora e se desculpa por tê-la feito passar por situações que eles não imaginaram que passariam.
Fora que os papos deles dentro do carro, enquanto estão na estrada, são muito esquemáticos, sempre assim “bom quero te perguntar uma coisa…” ou “ah, não se ofenda, mas quero te perguntar…”, como se ele estivesse que toda hora explicar pro espectador que ele não sabe o que está fazendo ali nessa situação nova.
A gente já entendeu, Will, tudo é diferente, você está aí pra aprender com sua nova amiga, pra entender sua nova amiga e também está porque quis mostrar para o EUA profundo que ela é um mulher, mas não é bem assim que funciona, como vemos no filme.
Will & Harper pareceu mais um desserviço pra mim do que um documentário de amor e amizade. Infelizmente.
NOTA: 1/2