Durante o Festival de Cannes deste ano, um dos filmes mais falados foi este A Substância, por alguns motivos bem específicos: era a volta da Demi Moore aos holofotes, em um body horror feminista radical, dirigido pela ótima Coralie Fargeat, do meu preferido Vingança.
O pequeno balde de água fria foi o filme ter saído de lá de mãos abanando mas o dinheiro que estão gastando com o filme nos EUA neste momento, me deixou animado de novo, já que o filme estreia essa semana por lá e por aqui também.
Bom, no final das contas o filme chegou pra mim e eu fiquei meio chocado com o que vi: A Substância é bem doido, bem ousado e um puta de um filme.
A história de A Substância é meio que basiquinha até demais sobre uma mulher que “fica velha” e procura a fonte da juventude a qualquer custo.
Demi Moore é Elisabeth Sparkle, uma personalidade da televisão, famosa por suas aulas de aeróbica. Linda, com corpão, inteligente, mas nada importa porque ao completar 50 anos ela é despedida de seu próprio programa por Harvey (Dennis Quaid), um executivo super escroto, super caricato, nojentão mesmo, que não usa meias palavras para dispensá-la e deixa bem claro que vai procurar uma jovem linda e interessante e que nem precisa ser tão inteligente quanto Elisabeth.
Desesperada, ela vai atrás de uma dica que recebeu sobre uma “Substância” do mercado negro bem underground mesmo que promete rejuvenescimento como nunca visto antes, de uma forma que vai transformá-la em uma nova versão dela própria.
Claro, tudo sem garantia nenhuma, às escondidas, mas entregue da forma mais cool possível, o que ajuda Elisabeth tomar a decisão de usar o “aparato”.
Para meu choque, o que começamos ver é algo ao mesmo tempo lindo e nojento, com uma direção de arte que me lembrou muito Neon Demon, com aquele neon cítrico fashion cafona e pretensioso. Só que aqui não para aí, todo esse colorido vem com os 2 pés numa vibe meio podre de Réquiem Para Um Sonho, o que compensa a fachada e nos leva, ou leva Elisabeth, ao profundo da desgraceira.
A Substância pode também ser “lido” como uma versão pós tudo de O Retrato de Dorian Gray da vida real, onde a tal nova versão de Elisabeth vem com muitas regras que devem ser seguidas à risca e com muitos revezes irreparáveis, incorrigíveis.
O roteiro do filme poderia ser: draminha de aeróbica dos 1980’s que vai para Neon Demon misturado com o Réquiem Para Um Sonho filme B que cai no Retrato De Dorian Gray body horror filme Z de monstro meio Re-Animator, tudo levado a sério, bem escrito e muito bem filmado, apesar de absolutamente tudo no filme seer meio caricato, que leva de novo aos anos 1980, como nos filmes referência que citei aí.
Ah, claro, A Substância, mesmo com tudo isso, é um filme feministão, empoderadão, só que como nunca vimos antes. É um filme sobre uma mulher poderosa sofrer um bullying radical e ter que procurar uma solução também radical para o seu “problema”. E daí lidar com as consequências mais radicais ainda.
Falei, falei, falei e nnao disse nada. Mais do que isso, é spoiler e eu acho que muito que está sendo escrito por aí tem spoiler demais. Eu não gostaria de ter sabido qual é o papel de Margaret Qualley, por exemplo, que nem citei acima.
O filme é complexo demais ao mesmo tempo que seja simples em sua ideia central. Só que a forma criada pela diretora Coralie é de uma ousadia e de uma inteligência cinematográfica que tenho visto pouco ultimamente.
Mas veja bem, tem rolado um papo que A Substância é um dos filmes dirigidos por mulheres que está salvando o cinema de horror atual. Primeiro que o horror não precisa de salvamento, está num auge lindo. Segundo que sim, tem mulheres fazendo filmes ótimos mas tem homens fazendo filmes maravilhosos também, então não venham com esse papinho de crítico que só vê horror em Cannes a cada 3 anos e acha que aquilo é o futuro. Ou este aqui.
Falando em futuro, queria deixar registrado que A Substância vai ficar nos anais (ops) do cânone do horror se não por mais nada, por 2 cenas ou sequências memoráveis, que me fizeram gritar em casa. A primeira é a de quando a substância injetada pela personagem da Demi Moore faz efeito e ela passa pela primeira “transformação”. A segunda é uma cena do quase final do filme em um estúdio de tv onde ocorre uma transmissão ao vivo, que coroa com chave de ouro as referências de Stanley Kubrick, que se bobear, deveria levar um crédito de mentor, porque Laranja Mecânica, O Iluminado e alguns personagens do inglês são copiados, cuspidos e escarrados neste filme, como devem ser, sem vergonha.
A Substância é sim um filme de mulher poderosa e de homem escroto e tonto. É um filme de extremos. Como não tem personagem bonzinho nesse meio, não tem resoluções nem cenas normais, tudo é muito “alguma coisa”.
E por mais maximalista com cara de minimalista que A Substância seja, mesmo já começando no milhão, o filme tem um ápice digno de Stephen King ou melhor, alguns ápices.
E este é mais um dos trunfos de A Substância, um body horror chocante, inteligente, lindo, Feminista com F maiúsculo, punk, potente, ousado e sem truquezinhos de horror que ninguém mais aguenta.
Prepare-se.
NOTA: 1/2