Um filme do Tim Burton é o exemplo cuspido e escarrado de zona de conforto cinematográfico pra mim: é comédia, é horror, é fantasia, é excelência.
Em 1988, com o lançamento de Beetlejuice, segundo filme do diretor de As Aventuras de Pee Wee, tirou meu chão: o demônio vivido pelo master Michael Keaton era algo que eu nunca tinha visto antes e algo que eu sempre quis ver, sem memo saber que queria ou melhor, que precisava na minha vida.
Beetlejuice era baixo (e ainda é), irônico, safado, sarcástico, bunda mole, esperto, inteligente, tudo ao mesmo tempo. E ao fazer e desfazer com os personagens do filme, a gente via o quanto essas qualidades (ops) juntas, podem não ser necessariamente bem sucedidas.
Beetlejuice ainda é um dos filmes que mais assisti na vida, é um dos meus filmes de conforto, um que eu sei que vou ver e ficar feliz da vida.
Beetlejuice Beetlejuice, lançado agora no Festival de Veneza, quase 40 anos depois, foi ao mesmo tempo uma lufada de felicidade e um balde de água fria.
O filme é tecnicamente perfeito, com uma fotografia ótima, com um elenco lindo (só não entendi o Dafoe naquele papel), direção de arte, figurino, maquiagem, tudo excepcional mas…
Que falta fez um roteiro ótimo.
A ideia toda é boa, cheia de resoluções brilhantes, onde Astrid (Jena Ortega), filha de Lydia Deetz (Winona Ryder, em seu melhor papel em muitos e muitos anos), é chamada pela avó Delia (minha preferida da vida e sempre impecável Catherine O’Hara) para o funeral do avô Charles.
(Primeiro parêntese: o avô Charles foi morto porque o ator que o viveu no primeiro filme, Jeffrey Jones, foi preso e condenado por ped0filia e abuso sexual e por isso só aparece em uma animação em Beetlejuice Beetlejuice que conta a história de sua morte; depois sua foto aparece em 2 momentos, em sua lápide e depois no inferno).
Lydia agora apresenta um programa de tv chamado Ghost House e por isso ao mesmo tempo é amada e odiada, porque quem acredita em fantasma, certo? Sua filha Astrid sofre na faculdade por isso mas também porque ela mesma acha que a mãe é doida, enquanto lembra sempre do pai bacana que já morreu também.
Lydia e Delia resolvem fazer o funeral em sua antiga casa, aquela mesmo do primeiro filme, o que aconteceria rapidamente sem problemas, só que o estúpido do noivo de Lydia, Rory (Justin Theroux), acha que ela precisa resolver sua história com o demônio e… Beetlejuice Beetlejuice Beetlejuice.
E a bagunça, a desgraceira e as piadas começam.
Enquanto tudo isso acontece aqui em cima, lá pra baixo vemos Beetlejuice trabalhando em uma repartição público-horrorosa com Bob e seus companheiros e tem sua paz quebrada quando é convocado por seu chefe Wolf Jackson (um Dafoe bem sem graça em um personagem parecido fisicamente com o seu mesmo de Pobres Criaturas e que aqui não funcionou pra mim) que lhe diz que uma tal de Delores conseguiu voltar à vida, ou melhor, à morte, depois de um descuido de um faxineiro do inferno vivido pelo nosso preferido Danny DeVito.
Essa tal Delores é um antigo desafeto de Beetlejuice e quer vingança.
(Segundo parêntese: Delores é vivida por Monica Bellucci, atual esposa de Tim Burton e como já aconteceu em Marte Ataca quando uma personagem foi criada para sua então esposa Lisa Marie, sem a menor necessidade no filme, aqui Delores não fede nem cheira, só atrapalha na condução do filme).
(O terceiro parêntese já vem na sequência pra dizer que o personagem do noivo da Lydia e toda sua história também são irrelevantes para Beetlejuice Beetlejuice).
Explicando o que disse quando falei do roteiro fraco: todas as sub histórias do roteiro envolvendo personagens novos são ruins em se tratando do universo Beetlejuice. Sei que sou chato, exigente, mas é filme da vida, amor antigo.
De qualquer maneira o filme é bem divertido, cheio de referências leves ao primeiro, algumas bem mais explícitas, e ver o grande Michael Keaton dando show de novo com o demônio tresloucado é sempre melhor que muito do que a gente vê por aí o ano inteiro.
E depois desses 38 anos desde o primeiro filme, depois de todos os altos e baixos da carreira de Tim Burton e agora em sua retomada criativa com a série da Wandinha e com Beetlejuice Beetlejuice, a gente entende o quanto sua liberdade total lá em 1988 fazia diferença com a não liberdade de 2024 com esse roteiro.
Tudo no filme tem a cara de Burton, porque não poderia ser diferente pela sequência. Mas o roteiro cheio de sub plots, cheio de personagens novos que não fazem a menor diferença na história, é coisa de estúdio e de filas de executivos palpitando e pensando no que é mais rápido e mais fácil pra se entender e vender nos dias de hoje.
NOTA: 1/2