Eu amo muito o diretor romano Radu Jude e seu cinema caótico e absurdo.
Seus filmes sempre começam a me incomodar de cara, me fazendo sentir estranho mesmo e de repente algo acontece e eu entro na viagem dos roteiros incríveis, quase experimentais, eu diria que só não partem pra esse lado pela direção sempre perfeita e afiada de Jude.
Desta vez ele nos vomita um vestido de lantejoulas embalando uma das protagonistas mais interessantes e obscenas dos últimos tempos Angela, uma produtora de cinema a procura de pessoas que sofreram acidentes quase fatais de trabalho para um comercial da empresa que os contratava que quer usar as tragédias para mostrar camufladamente que a empresa estava certa e a culpa é de quem se acidentou porque não se protegeu.
Só que a história nem é essa. Ou é.
Tanto que a diretora de marketing da empresa gringa é a diva Nina Hoss, que dá um showzinho próprio, óbvio e a importância toda dessa história acaba indo pra um lado maior do que eu esperava e que causou estranheza em mim, que bom, e acabou sendo uma surpresa totalmente inesperada pela forma como Jude cria o filme.
Mas o que me pegou mesmo no filme é a diva Ilinca Manolache que faz a protagonista produtora de vestido de lantejoulas numa fotografia em preto e branco quase monocromática enquanto ela faz vídeos para o Tik Tok de um personagem chamado Bobiţă, um escroto misógino que detona tudo e todos e mais parece um bozominion que falaromeno, o que é parecidíssimo com portuguies e por momentos me assustou com a semelhança não só da língua mas também do discurso desgraçado.
O que faz um contraponto maravilhoso com a personagem que é uma mulher interessante, interessada, amante de literatura e de sexo, claro, como sempre vemos nos filmes do Jude.
A comédia política absurda quase surreal, que só não é porque a Romênia existe no mundo de hoje em dia em que nós mesmos estamos tentando entender a doideira toda ao nosso redor e que Jude, mais uma vez, cria um universo tão particular que quando a ficha cai e a gente percebe que isso é tão real que dá até medo.
O cinema de Jude não é pra todo mundo quando deveria ser pra todo mundo.
Ele faz filmes absolutamente populares, nada herméticos, mas como ele sempre ganha prêmios nos maiores festivais de cinema, ele tem esse estigma mesmo de cineasta cult, de fazer filmes “cabeça” quando o que ele nos mostra são sempre as melhores e mais bem construídas críticas como neste filme à política trabalhista cara de pau, às redes sociais como em Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental e assim por diante com todos os seus filmes.
Viva o Mubi por disponibilizar Não Espere Muito do Fim do Mundo. Não perca.
NOTA: