Ervas Secas é o que eu costumo chamar de filme de gente grande.
O filme é escrito e dirigido pelo Mestre turco Nuri Bilge Ceylan, o diretor que (infelizmente) não tão constantemente, nos brinda com filmes que embaralham o nosso cérebro e no final rearranja tudo quase que direitinho de volta.
Quase.
Queridinho de Cannes, Ceylan hoje é um dos grandes autores do cinema e um dos maiores vencedores do Festival francês, onde já ganhou praticamente todos os prêmios possíveis. Inclusive este filme saiu premiado pela melhor atriz de 2023. Merecidíssimo.
Ervas Secas é um dramão que se passa na Anatólia, no interior turco, uma região vasta em campos quase infinitos onde ficam branquinhos, cobertos de neve uma grande parte do ano e no que sobra, a grama e as ervas secam.
O filme segue a vida de Samet, um professor que trabalha em uma escola na Anatólia dando aulas para adolescentes que querem usar batom e namorar enquanto a direção e a maioria dos professores os “castram” procurando provas em seus diários e em bolsos das mochilas da molecada.
Samet tenta se aproximar de umas alunas mas perde um pouco a mão e descobre que o que pra ele é uma opção de educação, para os outros pode ser alguma forma de assédio.
Ele é um homem que além de dar aulas, fotografa as pessoas do povoado com as paisagens mais incríveis de fundo. Mas Samet é o tipo de homem cínico, que mesmo tentando ser um professor ideal pra seus alunos, ele é muito pé no chão em relação à vida besta do dia a dia e principalmente de seus parceiros e vizinhos.
Ele ouve histórias de pessoas que sobrevivem como podem, histórias de pessoas que perderam seus próximos pelos absurdos do governo fascista e nessas conversas ele conhece Nuray, uma professora que perdeu a perna em um atentado e que também está no meio do nada até que algo melhor lhe apareça.
A gente acha que o óbvio dos arcos dos personagens principais vão aproximá-los mas as conversas profundas do (quase) casal são dos melhores diálogos do ano, levando essas sequências a níveis que há muito não assistíamos.
Quando falei que Samet era cínico era pelo fato de mesmo amando ser professor e saber de sua vocação, ele quer é sair de onde está e ir pra capital. Samet é um cara que se emociona quando descobre que uma aluna pega uma tênis para a irmã mais nova na escola, que ajuda o amigo que precisa dinheiro, que tenta arrumar outro amigo com uma moça, mas que no fim a gente vê que não liga pra nada e que seu objetivo é outro.
Ou será mesmo?
O cinema de Ceylan não é nada óbvio. Seus filmes parecem livros, cheios de capítulos, mas não capítulos de uma novela ou episódios de uma série.
Seu cinema até nisso é inovador, no contar histórias e no como contar essas histórias. Ou essa história, no singular, e capítulos no plural.
Ceylan estuda, filma, experimenta, dirige elenco como poucos e nos entrega quase um épico niilista, cínico com um final lindo, cheio de esperança e nos fazendo ter simpatia total àquele universo, mais até do que a gente pudesse gostar.
NOTA: 1/2