Tem alguma coisa no Japão que eu sempre penso que se vida houvesse em Marte, ou em Vênus, seria exatamente como é nas cidades do país do sol nascente.
O novo filme do Win Wenders, Perfect Days, Dias Perfeitos, é passado no Japão. Para nossa sorte. Porque se passado em qualquer outro lugar do mundo, em qualquer outra cidade por mais pitoresca e peculiar que fosse, o filme com certeza não seria a poesia melancólica de uma solitude enorme que é.
Antes do filme em si, preciso falar da trilha que, como em todo filme do alemão, serve como um fio condutor improvável, já que tem de Lou Reed, claro a Van Morrison, passando por Patti Smith, Stones, Nina Simone e The Animals cuja House of the Rising Sun ganha um sentido todo especial neste filme.
Os dias perfeitos do filme são os de Hirayama, um homem de seus 50 anos de idade que trabalha como faxineiro dos banheiros públicos de Tóquio, que por si só já são personagens à parte.
Ele vive uma vida bem espartana, com sua rotina praticamente cronometrada com seus afazeres profissionais e profissionais que, como disse, só no Japão criam uma aura de sonho e desejo como neste filme.
Hirayama tem suas paixões e uma delas é a música que ele ouve em fitas K7 no carro da empresa de limpeza com o qual ele circula para cima e para baixo e onde ouvimos a maior parte da trilha já citada.
Ele também ama ler, sempre indo a um sebo e comprando um livro por vez, olha que espartano, e sempre ouvindo da vendedora uma frase lancinante sobre tal livro ou sobre quem o escreveu, fazendo com que eu esperasse sua próxima visita para ouvir a vendedora falando e apertando o botão da caixa registradora, criando frases quase musicais com sua precisão filosófica.
Hirayama também ama tirar fotos analógicas, com sua câmera bem antiga, sempre nas suas folgas de almoço ou de lanche, sob uma árvore frondosa, sempre ao lado de uma mulher que também almoça mas com quem ele nunca fala.
E ele também gosta de comer e beber, sempre nos mesmos lugares, onde é reconhecido e recebido com sorrisos que a gente percebe ser o máximo de intimidade no planeta Tóquio.
Mas Hirayama tem seus dias perfeitos distraídos ou por um menino esquecido em um banheiro, ou por seu ajudante que precisa de dinheiro para sair com seu crush ou mesmo por sua sobrinha que de repente aparece em sua casa, sem avisar, e com ele passa os dias mais felizes já que Hirayama é o oposto de sua irmã, como diz a sobrinha sobre sua mãe.
A sobrinha vai trabalhar com Hirayama, come com ele, fala de iPhone e Soptify ao que ele mostra suas fitas K7, vai com ele aos banhos da cidade, passeia, lê, ouve música, quando tenta falar o nome do Van Morrison.
E o Win Wenders nisso tudo?
A gente nem percebe que o diretor é um alemão, filmando em uma cidade do outro lado do mundo, apesar de não ser sua primeira vez, já que nos presenteou na década de 1980 com o lindo Tokyo Ga.
Win Wenders teve que atravessar o globo para contar sua história de velhice, abandono, escolhas peculiares com a trilha perfeita e para nossa, e sua sorte, Wenders encontrou o melhor ator possível para o papel deste homem.
Kōji Yakusho é ridículo! Um absurdo de ator, com seu bigodinho indefectível, com um vigor jovem em contraponto à vida de ancião que ele leva, o que vamos aos poucos percebendo que essa escolha foi tão peculiar quanto todos os seus hábitos que vão sendo repetidos à nossa frente e que vão sendo os responsáveis pelo amor que criamos por esse Hirayama, o homem que eu quero ser quando crescer.
E se possível, dirigido pelo Win Wenders, um dos meus 10 diretores preferidos da vida.
NOTA: 1/2