E a época feliz da Mostra de Cinema de São Paulo se inicia mais uma vez, com o vencedor da Palma de Ouro de Cannes 2023.
Quando eu li que deram o prêmio ao segundo filme francês em 2 anos seguidos, eu duvidei que seria bom. Até parece, né?
E não é que eu estava certo.
Anatomia de Uma Queda é um filme ótimo, mas não para tanto.
Dizem que é O filme de tribunal francês, que revoluciona o filme de julgamento mas quem diz isso com certeza não assistiu o (melhor que esse) Saint Omer, que inclusive foi candidato ao Oscar internacional ano passado e não chegou aos indicados finais.
E talvez por isso a França tenha indicado O Gosto das Coisas este ano, que não outro de tribunal. Só acho.
Mas a Anatomia.
Começa que o filme é estrelado pela diva do momento, a alemã Sandra Huller que aqui, em francês, alemão e inglês, vive uma escritora suspeita de matar o marido, na tal queda do título.
O filme é a dissecação do momento da morte do marido escritor e invejoso, com quem Sandra (a personagem) mora no meio do ano, com o filho Daniel.
Ela jura de pés juntos que não matou ninguém, que o marido depressivo se jogou da varanda do terceiro andar de sua casa e bateu a cabeça antes de cair no chão.
O filho, com problemas auditivos, estava passeando e não tem certeza do que ouviu.
No tribunal, acusação e defesa vão fundo na especulação a partir de provas, depoimentos, testes, tudo o que a gente espera de um filme de tribunal.
E só.
O que diferencia Anatomia de Uma Queda do filme genérico é que a diretora Justine Triet abusa (no melhor dos sentidos) de suas personagens, não dando trégua para seu elenco, nos entregando o máximo possível de cada atuação e de cada possibilidade.
Isso por si só seria adjetivo suficiente para que o filme estivesse acima da média mas de novo volto a Saint Omer e tudo isso a gente já tinha visto lá, principalmente com a dupla de atrizes principal, a escritora (olha lá, de novo) e a mulher sendo julgada (olha lá de novo 2), só que aqui são 2 personagens distintas.
Claro que este filme não é cópia de Saint Omer como também não é cópia de Rashomon de Kurosawa, como alguns críticos preguiçosos fazem questão de citar.
No filme japonês a mesma história era contada a partir de vários pontos de vista distintos. Aqui não, já que temos uma personagem principal e sua visnao dos fatos é a única que interessa e a partir dela o filme é decupado e as outras personagens existem no filme, orbitando a escritora Sandra.
O que então fez com que Anatomia de Uma Queda saísse tão bem de Cannes e esteja fazendo tanto sucesso pelo mundo, com a possibilidade (e o sonho, principalmente) de ser indicado a tudo quanto é Oscar possível?
Na minha opinião, uma direção de elenco fabulosa. Aliás, falando em elenco, não posso deixar de elogiar ao máximo a musa Jehnny Beth do Savages que aqui arrasa muito como a “cuidadora” do filho de Sandra.
E também um marketing ótimo em cima de uma história que tem toda a cara de “crime real”, dos true crimes tão amados nos dias de hoje, só que com uma releitura mais intelectual modernosa LGBTQ que acaba sendo quase que fundamental nos dias de hoje.
A história da queda, da morte, não chamaria tanto a atenção se não fosse por uma personagem multi facetada que é a principal suspeita do crime.
O modinha do true crime, que inflou os streamings de séries e documentários ruins continua mas já está se esvaindo e fazer um filme a partir de um acontecimento que caberia naquela “caixa”só que repensado, melhorado e cuspido de volta com uma nova possibilidade de leitura foi o que deu a Anatomia de Um Crime a aura de obra prima que envolve o filme francês.
NOTA: 1/2