Se tem uma coisa que me deixa feliz da vida é eu me deparar com uma obra de arte que pode ser um filme ou um livro ou uma música ou um quadro ou o que quer que seja que tira o chão dos meus pés, que faz meu cérebro explodir, que muda a minha sensação de realidade por um instante que seja, que me faça flutuar.
No Bears é o novo filme do mestre iraniano Jafar Panahi, que estreou em Veneza em 2022 sem a presença do diretor que estava preso por ter feito este filme.
No Bears tirou meu chão.
O filme é estrelado pelo próprio Panahi que está escondido em uma vila isolada no Irã, dirigindo seu novo filme à distância para não ser preso.
Ele recebe imagens e detalhes da produção todos os dias, manda suas anotações, pede refações, enquanto fica quieto na casa de desconhecidos onde é bem tratado e de vez em quando dá uma volta pela vida, bem discretamente.
Numa dessas voltas ele fotografa umas crianças na rua e logo depois é “cobrado” por ter fotografado um casal, o que vai mudar sua vida reclusa discreta abruptamente.
Esse casal não poderia ser um casal, apesar de todo mundo saber do “pecado” cometido pelos dois e a fotografia tirada pelo diretor seria uma maneira de formalizar o que ninguém queria que fosse formalizado.
Pior, seria uma forma de jogar nas caras das pessoas a hipocrisia por saberem que o casal era real e que não falar de sua existência não faria o caso desaparecer.
Enquanto isso, do outro lado do deserto, em seu filme, um outro casal tem que lidar com problemas políticos para tentar fugir do país por serem perseguidos pelo governo, depois de apanharem, sofrerem e mesmo assim, não pararem de lutar pela liberdade.
As histórias paralelas vão se misturando, uma real e outra ficcionalizada a partir da liberdade em um filme que deveria ser quase um documentário e chega uma hora que você não sabe mais o que é real, o que é ficção, o quanto o vilarejo supersticioso onde o diretor se esconde é real ou é obra de sua mente criativa e de sua câmera astuta.
Mesmo sabendo que o que vemos é filmado, vendo Panahi em frente as câmeras, vivendo aquela história, acreditamos como uma realidade absoluta.
E os momentos que em seu filme, sendo feito sem sua presença, os atores olham para a câmera e conversam com o diretor do outro lado do país, enxergamos aquilo como uma realidade documentada e não como cenas de ficção onde o roteiro foi escrito para parecer que não houvesse roteiro e que aquilo era vida real.
Entendeu?
Pois é, essa é a sensação que me deu No Bears.
Se isso que o grande Jafar Panahi fez que foi misturar a ficção com o documental com a realidade com o documental ficcionado, se isso não é metaverso, eu não sei de mais nada e estou feliz na minha ignorância supra real.
NOTA: