Lá no início dos anos de 1970, xóvens, havia um diretor nos EUA que revolucionou o cinema e meio que reinventou o cinema independente, o indie filme como nós conhecemos.
O cara se chamava John Cassavetes, fazia filme com sua família e seus melhores amigos, filmava em casa, contava suas histórias que se transformavam em filmes que hoje são estudados, revistos e amados e com tudo isso acabou criando, inclusive, um estilo cinematográfico que veio de como ele conseguia fazer seus filmes: sem dinheiro.
Seus filmes eram cheios de close, de câmera na mão, sem muitas opções de refação e com ensaio, muito ensaio.
Nos anos de 1990 o cinema indie alçou o apogeu que tanto esperava com a vitória de Sexo, Mentiras e Videotape em Cannes, com o surgimento de Tarantino e o resto é história.
O apogeu do indie foi também seu fim.
Sundance, o festival que foi criado para dar voz a esses filmes e seus criadores, acabou virando um dos maiores festivais de cinema, cheio de estrelas que fazia “filmes menores”, por exeplo.
Daí apareceu um novo cinema indie, novos festivais indies, como o Slamdance, cheio de filmes maravilhosos que eu venho cobrindo há alguns anos.
Cada vez mais ocasionalmente aparece um filme como The Inspection, o indie de carteirinha, com todos os adjetivos de um filme de Cassavetes e mais um monte de ousadia deste segunda década dos anos 2000.
O filme conta a história de Ellis French, um jovem de seus 20 e poucos anos, sem teto, rejeitado por sua mãe, que resolve se alistar para ser Mariner e tentar ter uma vida nova, uma vida digna.
O problema é que no campo de treinamento seus pares e seus superiores logo descobrem que French é gay e mais uma vez, sua vida vira de cabeça para baixo e a gente descobre que ele na verdade foi expulso de casa por sua mãe horrorosamente opressora (vivida por uma Gabrielle Union incrível).
The Inspection é mais um filme sobre treinamento de jovens perdidos pelo bullying das forças armadas, só que feito sem dinheiro, na raça e o melhor, contando a história da vida do próprio diretor do filme, Elegance Bratton, que sabe escrever e dirigir como poucos.
A gente vê onde cada centavo foi gasto, como ele conseguiu lidar com os míseros 3 milhões que teve de orçamento, dinheiro de pinga de um filme médio de Hollywood.
The Inspection tem várias surpresas, além da grandeza do diretor e da beleza da personagem criada por Gabrielle, a começar pelo elenco de coadjuvantes.
Um dos achados do filme são os 2 oficiais que treinam os jovens, um do mal (Bokeem Woodbine) e um bonzinho e razoável (Raúl Castillo quebrando tudo).
Os jovens perdidos que estão lá porque não tem onde cair morto, tem família jovem e não sabem como sustentar e daí pra baixo, esses jovens são vividos por um leque de atores escolhidos a dedo, com precisão cirúrgica.
Mas o grande nome de The Inspection é Jeremy Pope.
Que ator, minha gente.
Pra quem, como eu, era fã dele em Pose, agora conseguimos enxergar o que um grande ator pode fazer com o texto perfeito e a direção precisa.
Seu French vai do zero ao 100 em uma abaixada de cabeça.
Tudo o que seu personagem sofre o filme inteiro, o que não é pouco, fez com que eu sentisse à flor da minha pele.
E o melhor: Pope não caiu na vala comum da caricatura, o que seria fácil em um papel de um homem gay que é forçado fora do armário no ambiente mais tóxico possível.
French é poderoso, é ousado e é silencioso, como deve ser para manter sua sanidade, sua saúde e para mostrar que ele é o dono de sua história.
The Inspection é um filme que vinha sendo muito falado nas pré listas de melhores do ano e de possíveis prêmios, o que eu agora concordo totalmente, principalmente em menções para ator e atriz e ator coadjuvante.
Mas se o cinema dos EUA fosse razoável e reconhecesse verdadeiros talentos, o diretor Bratton já estaria com contratos fechados para seus próximos 2 filmes fácil fácil.
NOTA: 1/2