Finalmente assisti um dos filmes mais esperados do ano, o veículo do próximo Oscar de Cate Blanchett, Tar.
Tar é o novo filme do diretor Todd Field que não lançava nada desde Pecados Íntimos, de 2006.
Tar (vou começar toda frase com Tar) é Lydia Tar, a mais brilhante maestra viva, que está há dias de gravar sua obra prima, o que todos acham que será a sinfonia que vai fazê-la entrar para o panteão dos maiores da música erudita.
E o diretor Field passa o primeiro terço de Tar nos mostrando o quanto ela é maravilhosa.
A primeira sequência do filme é Lydia dando uma entrevista ao vivo em um teatro lotado, falando de sua carreira e do quanto os grandes compositores a influenciaram, onde a gente já vê a que veio dona Cate, que fala e fala e fala em planos sequências absurdos e me levou para dentro daquele teatro.
A partir daí a gente vê o quanto Lydia Tar tem uma vida totalmente voltada à música e não só a genialidade e a complexidade da música erudita, mas muito ao que talvez possa ser chamado de preservação do erudito, de conservação, de legado.
Em uma outra sequência incrível vemos Lydia dando uma masterclass para alunos da mais conceituada escola de música dos EUA onde ela não só mostra o quanto a tal da tradição é importante mas também acaba, detona um aluno por sua visão um tanto “moderninha” de como ele lida com os autores clássicos.
E aqui também o Todd Field realiza a sequência toda em um plano único de se tirar o chapéu de perfeito, com Blanchett falando, tocando piano, dando aula e indo do céu ao inferno em alguns minutos.
Não pense que Lydia Tar seja uma autora e maestra conservadora, não não. Ela é uma música, ou musicista, ousada, que estuda, erra, procura o som perfeito, apaga, reescreve, testa, repensa, até chegar na nota que faltava para sua música ir ganhando vida.
Acontece que Tar faz tudo isso em sua vida também, não importa quem esteja por perto, que vai acabar sofrendo as consequências de suas experiências para atingir a perfeição.
O que eu não esperava do roteiro, que me deixou ainda mais apaixonado pelo filme, é que Todd Field, que não só dirige mas como escreveu e produziu Tar, nos leva a uma viagem dolorosa aos recantos mais profundos e desesperadores da alma de sua heroína.
Ou melhor, anti heroína.
Se Tar estivesse em um filme de super heróis, ela talvez fosse um Loki, o irmão do Thor que quer ao mesmo tempo ajudar o Deus do trovão e matá-lo para ser o queridinho da família.
Tar não sabe muito a diferença do amor e do ódio, a moral da maestra é algo que ela forjou ao longo de sua vida para chegar onde chegou e onde chegou.
Ela é o tipo de mulher que é forte e poderosa, é amada, temida e odiada ao mesmo tempo.
Sabe quando os “crentes” amam e temem seus deuses? E que lá no silêncio da noite os odeiam porque não se conformam com o que esses deuses os fazem viver no dia a dia?
Essa é Tar, uma mulher casada com a primeira violinista de sua orquestra, o papel mais importante depois do maestro, com quem tem uma filha linda que a chama de Lynda e nunca de mãe.
Uma mulher que acha que apagando o histórico de emails de sua caixa de mensagens vai apagar seus erros do passado ou as marcas deixadas por esses erros.
E nós espectadores vamos nos envolvendo com a vida dessa mulher que amamos logo de cara e que ao longo das quase 3 horas de filme nos faz ir do paraíso às profundezas infernais de sua jornada trágica, por vezes como uma Deusa com D maiúsculo, por outras como a anti heroína de um texto grego e por outras vezes como a vítima de seus próprios atos, como acontece com qualquer um de nós, meros mortais, que no final das contas é isso que Lydia Tar é.
Só pra terminar, preciso falar do elenco principal feminino incrível de Tar com Noémie Merlant (de Retrato de uma Jovem em Chamas) como sua assistente e Nina Hoss (de A Professora de Violino) como sua sua esposa, que brilham tanto quanto Cate Blanchett.
E não poderia deixar de falar da grande Hildur Guðnadóttir, a mestra islandesa que deve vencer o Oscar de trilha sonora, seu segundo, aliás, depois de ter vencido pela trilha de Coringa.
NOTA: