Eu vou dizer que fazia tempos que eu não me emocionava tanto com um filme porque eu realmente não me lembro da última vez que senti que estava assistindo uma obra que transcendia a sua criação.
No caso, um documentário.
O Leopardo das Neves, pra começar, tem a trilha mais lindas dos últimos tempos, escrita e executada pela dupla Nick Cave e Warren Ellis e só por isso já seria motivo de emoção.
Mas o filme parece uma poesia saída diretamente do caderno de anotações de 2 filósofos que descobriram a melhor maneira de se viver na Terra.
Ou algo parecido, já que até agora eu ainda não entendi exatamente qual o nível de (desculpem a repetição do termo) transcendência atingiram o fotógrafo francês Vincent Munier e o escritor Sylvain Tesson.
Vincent é um dos mais conceituados fotógrafos dos dias de hoje, sendo que seu trabalho é focado na vida animal, na natureza selvagem.
Junto com a diretora Marie Amiguet, a partir de sua experiência como fotógrafa do aclamado documentário de 2017 O Vale dos Lobos, a dupla decide tentar filmar um dos animais mais difíceis de serem registrados em imagens dos dias de hoje, o leopardo das neves, uma espécie nativa do Tibet à beira da extinção.
Quando o escritor Sylvain fica sabendo dessa empreitada, já sendo fã que se tornou amigo de Vincent, ele se convida para participar do filme e lá se vão os 3 para o inverno tibetano, tentar se esconder o melhor possível para de longe avistarem o tão amado e desconhecido animal.
O Leopardo das Neves acaba sendo um filme de contemplação, de descoberto do próprio ser, já que a dupla de homens que aparece nas câmeras e a diretora que comanda as imagens, mais observam e esperam e se congelam e tentam se adaptar ao inóspito por um amor maior que eles descobrem lá, aos 30 e tantos graus abaixo de zero das noites dormidas em cavernas onde ursos já moraram, torcendo para que sua presença espante os animais e não os atraia como comida fresca.
As conversas sussurradas, as anotações nos cadernos, as brincadeiras com as crianças das famílias que lhes ajudam fazem parte de sequências que eu nunca assisti nada parecido em lugar nenhum.
A turma francesa tendo que se adaptar a um terreno extremamente novo, peculiar e quem diria, tão perigoso, é a prova de que a gente pode escrever a nossa história, a gente pode mudar a nossa vida, que o aqui e agora, o hic et nunc, não está gravado em pedras, que quando a gente acha que nada mais pode mudar, nada mais tem jeito, é só você escolher o seu leopardo das neves para observar.
Eu nunca tinha ouvido falar do Vincent Munier, o fotógrafo que sussurra para não assustar possíveis animais a serem observados e que não se dá bem “em Paris” exatamente porque sussurra.
Depois de assistir esse cara falando baixinho por quase 2 horas eu tenho certeza que ele é um ser que… transcendeu (queria ter outra palavra pra essa sensação, mas não encontro, me perdoe).
Vincent tem consciência de que precisa se prostrar diante de seus objetivos, mesmo que pra isso ele tenha que comer mais devagar, passar frio, se esconder mesmo que torto e tudo mais.
Atingir esse grau de consciência de saber onde, como e porquê é pra poucos, que acabam se tornando referência a ser seguida.
Ao terminar de assistir O Leopardo das Neves eu tinha quase esquecido que também, como eles, queria ver o animal raro e já me senti feliz em participar dessa jornada para um dos lugares mais lindos e desconhecidos do planeta que no final das contas é pra dentro de nós mesmos.
NOTA: