Quando eu falo que Hamlet é a mais linda história jamais contada você não acredita em mim.
Agora você tem uma nova chance de concordar comigo nesse drama-épico-violento de horror O Homem do Norte, do maior de todos os jovens diretores americanos, Robert Eggers.
Depois de lançar “só” 2 filmes, A Bruxa e O Farol, filmes que já entraram para o panteão dos grandes filmes fantásticos da história do cinema, Eggers conseguiu o feito de realizar seu maior filme e há quem diga, seu filme mais íntimo.
O Homem do Norte é a história (original?) do príncipe Hamlet, aquele da Dinamarca, eternizada pela pena de Shakespeare, a grande história de traição e vingança do cânone ocidental, a história do pequeno Hamlet que vê seu pai, o rei, ser morto pelo irmão que usurpa o trono e toma a rainha para si, transformando a vida do jovem em um inferno, com todos os traços do que hoje a gente considera como depressão e ansiedade.
Só que Eggers foi mais longe, porque o cara é bom, pretensioso, sabe disso e os estúdios americanos também sabem disso, tanto que liberaram verba para ele filmar como quisesse, onde quisesse e com quem quisesse.
O diretor recriou a história do pequeno príncipe dinamarquês nos tempos vikings, ao norte do norte, onde o agora Amlet precisa fugir depois de ver seu pai ser decapitado pelo irmão bastardo, para não ter o mesmo fim.
O tempo passa, numa fase que lembra muito o amadurecimento de Conan que lembra muito o amadurecimento de Ben-Hur e o agora gigante homem do norte volta com sede e fome de vingança, querendo sua família de volta, seu nome de volta, mesmo depois de descobrir que a sina de seu tio nnao foi a que o matador de rei esperava.
Eggers brilhantemente teve ao seu lado para escrever o roteiro deste primor de filme, o poeta islandês Sjón, ex Sugarcubes, colaborador incansável da Bjork e roteirista de entre outros, o meu preferido Lamb.
O roteiro de O Homem do Norte deveria ser enquadrado e colocado em uma sala privativa no Museu do Louvre de tão perfeito que é, sem uma única vírgula sobrando ou faltando.
Com esse caminho em mãos o mais que talentoso Robert Eggers não tinha como errar: seu filme é tão bem filmado e tão bem dirigido que parece que ele demorou anos e não semanas para ser filmado.
A luz do filme cresce e diminui em relação aos momentos da história, o que deveria ser o normal em qualquer filme mas não é.
A direção de elenco é uma coisa que me deixou totalmente chapado: a gente não lembra de nenhuma atriz e de nenhum ator que vemos nas 2 horas de duração da história.
Não tem Nicole, não tem Anya, não tem Alexander nem Ethan como o pai de Amlet (que já foi Hamlet no cinema) nem Dafoe de sábio mago bobo da corte nem o maravilhoso Claes como o tio traidor.
A gente assiste vikings violentos, escravas assustadas, escravos sofredores e mulheres poderosas que nos surpreendem mais que os homens.
A bruxa da Bjork, na menor aparição em tela possível, fica marcada na nossa retina pelo filme todo e ainda depois.
Nicole Kidman mostra que se não é a melhor atriz de sua geração, por favor, me apresente quem seja.
E Anya Taylor-Joy, a bruxinha do primeiro filme de Robert Eggers, só não rouba o filme porque o título da película não é A Mulher do Norte. A gente acompanha e ama a Anya de perto e eu não sei porque eu ainda me surpreendo com esses arroubos de genialidade da jovem atriz de Miami que eu sempre penso que ela nasceu na Escócia.
A saga de Hamlet reescrita a partir de lendas vikings é mais uma revolução cinematográfica que o diretor Eggers faz em sua filmografia de 3 lançamentos apenas. Ter a ideia e a capacidade de reinventar a maior história de todas é para quase ninguém e ele foi lá e fez. Como ninguém.
O Homem do Norte não deixa, literalmente, pedra sobre pedra.
Toda a violência mostrada na tela é não só justificada como lindamente mostrada, inclusive com uma homenagem ou 2 ao seu amigo de ofício Ari Aster.
Sangue, muito suor, vísceras, carne, pele, nariz voando, muito abuso, o normal naqueles anos de séculos passados numa região linda e inóspita, são mostrados em closes tão violentos quanto as encenações em si, com a luz mais viva possível para que não percamos nenhum detalhe do que era viver sob aquelas condições e o pior, ou melhor, viver uma vida focando na vingança, na realização da carnificina que for necessária para recontar a história como ela deveria ter sido contada em primeiro lugar, não fosse pela inveja e pela iniquidade.
E como disse o bardo, depois de tanto barulho, tanto ódio, tanto sangue, tanta luta, tanta morte, o resto é silêncio.
NOTA: