Em 1992 eu entrevistei o Pedro Almodóvar em Madri, um dos marcos na minha carreira de “escrivinhador” de filmes.
Lá na El Deseo, comendo bolachinhas e tomando chá, ele me disse que tinha vários cadernos onde ele colava artigos de jornais e revistas com matérias interessantes o suficiente para lhe dar ideias para seus filmes.
Tudo fez sentido.
Corta para hoje, 2022, 30 anos depois, eu assistindo a nova obra prima do iraniano Asghar Farhadi e chego a uma conclusão: ele e Almodóvar são farinha do mesmo saco.
Gêmeos
Idênticos.
Só que um colorido e o outro quase sem cor nenhuma.
Os 2 diretores geniais, que estão escrevendo a história do cinema aos nossos olhos, são artistas que pegam das histórias mais banais, do dia a dia, matéria para seus roteiros e seus filmes que nos deixam tão exasperados.
A Hero (Um Herói) é tudo o que a gente não acha que vai ver em um filme com esse título.
A história do trapaceiro que vira herói e que tem mais reviravoltas que filme truqueiro de Hollywood é um estudo sobre o ser humano, pro bem e pro mal, como não vemos muito nas nossas telas.
Rahim está preso porque pediu dinheiro emprestado para um parente de sua ex esposa. Como ele não pagou de volta, pegou uns anos atrás das grades.
Com sua nova namorada ele tenta pagar a dívida com umas moedas de ouro que ela achou na rua.
Como não dá certo, ele resolve devolver as moedas a quem perdeu e arma um esquema bem esperto e acaba sendo considerado o herói do título, já que ao invés de ficar com o ouro, abre mão pelo bem do real dono.
Por causa de seu gesto tão benevolente, tudo muda na vida de Rahim e até o perdão ele recebe.
Obviamente as coisas não são tão fáceis e a história dirigida pelo gênio iraniano vai nos mostrando o quanto o ser humano é complexo.
Rahim tenta enrolar todo mundo mais uma vez, para sair da cadeia e poder viver seu novo amor.
Seu credor não acredita em suas historinhas e faz de tudo para que todo mundo abra os olhos e perceba o quanto ele está mentindo, provavelmente, claro, porque ele não é confiável.
Os diretores da prisão querem usar a história do herói como uma narrativa perfeita para o trabalho de reabilitação que fazem.
A família de Rahim faz de tudo para que ele seja perdoado.
A associação benfeitora que ajuda Rahim quer que sua história sirva de exemplo da ajuda que eles oferecem.
Mas ninguém tenta entender o que Rahim está realmente fazendo e como ele vai se enrolando e se complicando para sustentar uma história que seria perfeita, só que as histórias perfeitas não acontecem nem nas histórias infantis.
Asghar Farhadi, como Almodóvar, tira leite de pedra, tira filme de notícias de jornal e continua nos mostrar que a filosofia vem do dia a dia, que a vida é tão simples e complexa ao mesmo tempo, assim como seus filmes.
A Hero é um dos 15 filmes que estão concorrendo a uma vaga ao Oscar Internacional e se lá chegar e se ganhar o prêmio, este será o terceiro Oscar que Asghar Farhadi venceria.
Ele já ganhou em 2012 com A Separação e em 2017 com The Salesman e tô torcendo pra ele ser tri.
A Hero não é somente um um filme profundo sobre a alma humana sofrendo na pele de personagens profundos, mas como toda Obra de Arte com maiúsculas deve ser, A Hero é acessível.
O realismo de seus filmes faz com que Farhadi seja o mestre dos personagens simples, estranhos, que a gente ama e odeia ao mesmo tempo, que ele sempre nos mostra em “fotografias” e perfis tão perfeitos e tão vulneráveis ao mesmo tempo.
P.S.: o filme estreia por aqui dia 24 de fevereiro
NOTA: