Spencer começa com um plano de gente grande: uma câmera no chão, em uma estrada de terra, ao lado de um pássaro morto, onde muitos jipes do exército passam sem tocar nem passar por cima nem da ave, nem da câmera.
Logo depois, em um palácio, o exército saindo dos jipes carregando containers enormes cruza com um outra exército, só que de chefs de cozinha, também marchando solenemente, tudo sob a trilha clássica e solene do Radiohead Jonny Greenwood que mostra o que teremos pela frente.
Enquanto isso, Diana para seu Porsche em um posto de gasolina no meio de uma estrada e entra no restaurante/boteco nesse meio do nada, onde as pessoas lá dentro não acreditam no que veem e pergunta: “onde eu estou? alguém me diga onde eu estou?”.
Se ela não sabe, imagina aquele povo.
E no resto do filme a gente descobre que não só Diana não sabia onde estava, nem pra onde ia e nem de onde vinha como ela não sabia nem se queria saber.
Com isso tudo o diretor chileno, nome gigante em Hollywood, Pablo Larraín nos diz o seguinte: bem vindos e preparem-se porque vou fazer o que eu quiser nesse filme. E eu quero muito.
Emoldurado por uma fotografia absurda de linda da francesa Claire Mathon de Retrato de Uma Jovem em Chamas), Spencer se passa durante 3 dias, no final de semana do Natal de 1991, época que o casamento dos sonhos monarcas ingleses entre Charles e Diana (Spencer) está por um fio por causa do caso que o príncipe vivia fora do casamento.
Ver como Diana vem enfrentando essa situação é tão insuportável e Larraín não faz questão de amenizar para o nosso lado.
Diana está desesperada, louca da vida, não aguenta mais ter que participar desses eventos familiares estúpidos que como a gente vê, não dizem nada pra ela, nem ser pesada na chegada do palácio nem comer à mesa com todo mundo usando roupas incríveis que não foram escolhidas por ela.
(essa história de ser pesada é o máximo do absurdo, tragicômica mesmo)
Spencer é como Jackie, o filme anterior de Larraín sobre Jackie Kennedy, um filme quase onírico, sobre mais o que acontece na cabeça de suas protagonistas do que o que exatamente nós vemos na tela.
A perfeição técnica de Spencer que vai da direção ao roteiro, da fotografia ao figurino, das locações à trilha, colocam o filme, como disse lá no início, em um patamar acima da manada mediana cinematográfica que vem dos EUA.
Spencer é filme de gente grande, de quem sabe fazer muito bem e tem todo o dinheiro necessário para tanto.
Os 3 dias que duram o filme parecem que demoram 3 anos na vida de Diana, de tanto que ela sofre com todos os mínimos detalhes desses momentos todos, tão poucos e tão intensos para ela.
Se você, como eu, não se interessa nada pela família real britânica e tudo o que sabe vem de The Crown e de uma amiga que conhece muito e que te conta as fofocas, garanto que vai se chocar com o que vai ver nesse filme, com o quanto Diana, a fofinha, estava perturbada nessa época e o que me chocou muito foi por não conseguir entender de onde ela tirou a força pra suportar tudo aquilo e não pirar de vez.
Sim, vou falar da Kristen Stewart e só digo uma coisa: em quase 2 horas de filme, só teve um pequeno momento que eu lembrei que era atriz ali vivendo a princesa, em uma cena que ela dá uma risada (talvez a única risada com barulho que ela dá no filme).
O que Kristen Stewart faz no filme é de apreciar ajoelhado.
Não sei o quanto era parecido com a Diana, de novo, por nunca ter prestado atenção nesses bilionários, mas ela cria uma personagem absolutamente crível em um nível como pouco se vê no cinema.
O trabalho de atriz e diretor em Spencer é melhor ainda do que em Jackie, que eu já achei que Larraín havia atingido a perfeição da direção de elenco.
Eu não me canso de falar que Kristen Stewart é uma das grandes de sua geração e depois de Spencer, já digo que ela é a menor. E não me venha com aquele papinho que ela sempre faz o mesmo papel, tem sempre a mesma cara que isso é preguiça tua de vê-la como ela é e fica com o ranço dela nos filmes de vampiro (que também são legais).
Kristen não é Diana e Diana não é a atriz, mas a personagem principal de Spencer é uma entidade que existe por si só e também pelo filme, pelo diretor e por sua relação de criação com a atriz.
NOTA: 1/2