Quem gosta de cinema e não conhece ou não gosta do “enfant terrible” do cinema alemão, o cineasta Rainer Werner Fassbinder, bom sujeito não é.
Ou é ruim da cabeça, ou é ruim da cabeça.
Essa cinebio de nome mais na cara e mais óbvio possível tinha tudo pra dar errado.
Contar a história de um cara que se tornou um dos maiores diretores da história do cinema, que quebrou todas as regras que, aliás, nem as conhecia per se, que filmou com quem quis, não filmou com que queria filmar com ele, que fez o que quis em sua vida e que criou um estilo muito copiado e quase nunca replicado à altura, contar sua história poderia ser o maior tiro n’água possível.
Mas o diretor Oskar Roehler acertou na mosca.
O cara não só entrou de cabeça no universo do Fassbinder como fez questão de pagar tributo da melhor forma possível, copiando descaradamente o estilo do mestre como homenagem e não como a maldita “referência”, a desculpa dos preguiçosos.
Fassbinder foi um cara que saiu do boteco, entrou no teatro pela porta de trás, cheio de ideias, cheio de grosserias e cheio de paixão que acabou criando uma família que o acompanhou por toda sua carreira, formada por artistas e boêmios como o próprio.
Gay, radical, cabeça dura, ia aos extremos para contar suas histórias pois era assim que vivia a sua vida.
Muito do que vemos em Enfant Terrible, como Fassbinder vivia e trabalhava e criava e se divertia, não é muito diferente do que vemos em documentários e recriações fílmicas da vida de muitos artistas.
Mas neste filme o diretor Roehler, como eu disse, não quis mostrar a que veio, não quis reinventar a lâmpada.
Ele presta homenagem do primeiro ao último segundo do seu filme.
Diferente, por exemplo, do tão “aclamado” Halston, o seriado lançado pela Netflix do oposto de um enfant terrible, Ryan Murphy, o cara que mastiga ótimas histórias e nos entrega séries e filmes tão pasteurizados e sem vida que parece que a culpa é de seus biografados.
Halston era tudo o que vemos na série de Murphy, só que em extremos.
Se você assistiu e achou doidão o Ewan McGregor ter feito cenas de sexo e beijado outros homens e acha que ele merece prêmio por isso, você não entendeu nada.
Halston, como pode-se assistir nesse documentário ótimo que eu resenhei em 2019, era o tipo de cara que está mais pro podrão Fassbinder, que conseguiu chegar onde chegou cheirando rios de cocaína do que o mala da série.
O cara era podrão mas conseguiu viver em um castelo de areia, que desmoronou assim que seu dinheiro, sua cocaína, sua areia, foram tirados de suas mãos.
Roehler, ao contrário do autor americano, mostra a real podre de sempre do gênio, e não tenta envernizá-la, pasteurizar uma história maravilhosa de quem morava em apartamento cheio de baratas e criava filmes que ninguém nunca conseguiu fazer depois nada parecido.
Colocar um filtro é uma coisa, mastigar e entregar uma papinha de bebê direto na boca do espectador pra que ninguém precise pensar nem digerir, só engolir e soltar no banheiro é outra.
Pra fechar com chave de ouro, Oliver Masucci (Dark, Olha quem Voltou) faz um Fassbinder tão brilhante que por momentos acreditava estar vendo cenas verídicas documentais de um dos meus diretores favoritos da vida.
Enfant Terrible é obrigatório.
Fim.
NOTA: 1/2
Resenha em 30 segundos:
Trailer: