No centésimo dia de 2021, a centésima resenha do ano não poderia ser sobre qualquer filme.
Rifkin’s Festival é o novo filme do enfant terrible do cinema dos EUA, o odiado (por mim, pelo menos) Woody Allen.
Por mais que eu despreze Allen como seu humano há tempos, por mais que isso tenha piorado depois que eu assisti o documentário em 4 partes da HBO Allen V Farrow, não tinha como deixar passar esse filme.
Antes de continuar só pra constar, estou terminando de reler a autobiografia de Allen, e logo pretendo fazer um texto bem completo sobre esse meu desprezo ao diretor judeu onde também quero faalr do meu total desprezo à sua ex companheira Mia Farrow.
Rifkin’s Festival.
Woody Allen é um dos diretores mais prolíficos de todos os tempos, como sabemos. Em tempos áureos ele lançava pelo menos 1 filme por ano e de vez em quando, 3 filmes em 2 anos, de tanto que davam dinheiro pra ele filmar.
E ele filmava.
E criou uma obra totalmente auto referente, com seus personagens principais sempre como caricaturas de si mesmo, sempre neuróticos, acelerados, viciados em remédios e em doenças, cheios de problemas e que geralmente moravam em Nova Iorque.
Mais que auto referente, o cinema de Woody Allen também sempre referenciou o próprio cinema, a história do cinema.
Allen sempre deixou claro quem eram seus diretores preferidos, principalmente em sua fase Bergmaniana, onde ele pela primeira vez deixou totalmente de lado a comédia e seu humor ácido e fez dramas que beiravam a tragédia.
Uma vez eu entrevistei Pedro Almodóvar em sua produtora em Madrid e perguntei pra ele sobre suas referências e suas pesquisas antes de fazer um filme novo.
Ele me contou que ele colecionava recortes de jornais e revistas (isso em 1992) com matérias e histórias interessantes que não necessariamente dariam um bom roteiro, mas que poderiam fazer nascer bons personagens ou situações.
Eu tenho certeza que Allen tem um caderno de anotações que ele carrega em seu bolso, um moleskine, onde ele anota coisas e em alguma página de algum desses caderninhos ele anotou “filmes são sonhos em celulóide”.
Essa é a primeira ideia de Rifkin’s Festival, seu novo petardo filmado na Espanha, em uma das minhas cidades preferidas da vida, San Sebastian, no País Basco, sede de um dos maiores festivais de cinema do mundo.
O Festival de Rifkin, o personagem principal desse filme vivido brilhantemente como mais uma caricatura de Woody Allen por Wallace Shawn (de Young Sheldon), um ótimo comediante americano, baixinho, careca, neurótico, judeu.
O ator? Não sei, provavelmente, mas tava falando do personagem.
Aliás, não entendi o porquê de Allen não ter vivido esse personagem. Será que achou que seria muita cara de pau viver um professor de cinema, casado com uma publicista muito mais linda que ele que é apaixonadinha pelo diretor francês lindo com quem ela trabalha, mesmo casada com o baixinho judeu feio?
Bom, lá em San Sebastian Rifkin e sua mulher Sue, vivida por uma Geena Gershon mais linda que nunca, ambos atendendo o festival de cinema onde ela cuida do bonitão Phillippe (Louis Garrel feio, acredita?).
Por não suportar a mulher babando no super star, Rifkin decide dar uns rolês pela cidade e por seer um hipocondríaco terminal, acaba indo a um médico por estar sentindo umas pontadas no peito.
Ao chegar no consultório e descobrir que o Dr. Jo é uma mulher, Rifkin fica babando feito um cachorro velho que encontrou “carne nova” depois de tempos sem se alimentar direito.
Mas essa história não interessa muito.
Quer dizer, interessa a medida que o personagem faz todas as críticas possíveis a indústria do cinema de hoje em dia, a como os festivais de cinema funcionam e principalmente ao culto à personalidade.
O engraçado é que Allen critica tudo isso hoje em dia por sofrer o que vem sofrendo depois de seus escândalos pessoais, mas já quando esteve “na crista da onda”, ele era o personagem principal em todas essas histórias que ele detona hoje em dia.
Voltando ao velho Rifkin, o que interessa na verdade são seus sonhos nas noites que dorme na cama gigante do hotel de San Sebastian.
Seus sonhos de celulóide, como disse lá acima.
Rifkin sonha sobre sua vida a partir de filmes. Coisa mais linda.
Quando sonha sobre sua infância e seus pais, é com o Rosebud do Cidadão Kane do Orson Welles.
Quando sonha sobre o possível triângulo amoroso que está vivendo, é com Jules e Jim do Trufault.
Quando sonha com o outro triângulo amoroso que não está vivendo, é com Persona do Bergman.
Quando sonha com seus amigos e familiares e sua suposta falha literária, é com O Anjo Exterminador do Buñuel.
Esse é o Festival de Rifkin do título, o festival de sonhos de celulóide, não dos filmes em si, mas das releituras oníricas de passagens de vida através desses clássicos.
Eu odiei com força os 2 últimos filmes de Allen, Um Dia de Chuva em Nova Iorque e o da roda gigante, não me disseram nada e ainda tiveram a cara de pau de tocar em feridas do próprio diretor para meio que fazer chacota conosco, meros mortais que acabamos o aceitando ainda, depois de todos os pesares.
O Festival de Rifkin é o tipo de filme que eu amo que só Allen sabe fazer, filme sobre cinema, sobre arte tipo Meia Noite em Paris, onde ele brinca com outros autores e artistas de seu calibre.
Woody Allen é um pulha, um canalha mas infelizmente filma como poucos. E como eu sempre digo, um filme menor de Allen é maior que 90% dos filmes que assistimos o ano todo.
NOTA: