Se não por mais nada, a desgraça que foi 2020 vai ficar na minha memória como o ano que a ótima atriz inglesa que a gente tanto ama Carey Mulligan se tornou a atriz mais importante do cinema e ponto final.
Isso num ano de Sophia Loren de volta, de Frances McDormand em Nomadland (amanhã tem), de Marcélia Cartaxo como a maravilhosa Pacarrete.
Mas Cassandra, a Jovem Promissora do título original vivida por Carey, a mulher de 30 anos que ainda mora com os pais, a brilhante estudante de medicina que larga tudo antes de se formar é um arroubo de interpretação.
Cass era a filha que toda família queria, inteligente, esperta, sagaz, com senso de humor aguçado e que de repente larga tudo o que vinha conquistando e começa uma vida dupla, obviamente sem que ninguém saiba, como uma vingadora implacável.
De dia ela trabalha em um café modernosinho e bem sossegado onde não ganha o suficiente para pagar um aluguel.
De noite ela se veste e se comporta sempre como uma mulher que bebeu demais em bares de sua cidade e se deixa cair na lábia dos machos escrotos que ao invés de ajudar uma mulher em seu estado, tentam se aproveitar dela.
Incrível o que acontece.
Até que um dia ela atende no café um ex colega de faculdade, o altão Ryan que agora é cirurgião pediatra e que na hora a convida para sair.
Aos poucos Ryan vai falando do pessoal com quem eles estudaram e Cass se dá conta que finalmente ela pode resolver o “problema” que a fez largar a faculdade.
Bela Vingança é uma comediazinha de humor ácido e todo desmantelado que vai nos cutucando o tempo todo, mas são cutucadas de agulha bem fininha, que em princípio a gente só sente um pequeno incômodo mas quando percebe está todo furado e já com marcas de sangue.
Cass, a personagem de Carey Mulligan, é a personagem do ano.
Tudo o que falei acima sobre ela ser inteligente, esperta, bem humorada, vai se mostrando em um roteiro que aos poucos vai nos contando uma história que em princípio parecia só uma nóia e que de repente se mostra uma missão de vida.
Custe o que custar.
O filme foi escrito e dirigido pela ótima Emerald Fennell, que é “dona” da segunda temporada de Killing Eve e é também a Camilla Parker Bowles em The Crown.
Com Promising Young Woman Emerald mostra que é A diretora a ser seguida, a roteirista mais incrível e eu não posso esperar o que vem por aí.
A maneira como ela nos (nós espectadores) manipula com a historinha fofa e besta de Cass que não é, é uma das coisas mais inteligentes dos últimos tempos.
A personagem Cassandra é tão bem escrita, criada, estruturada e vivida que cada sequência dela a gente primeiro entende tudo o que ela está fazendo, mesmo sem sabermos exatamente os porquês. E depois a gente vai descobrindo mais e mais sobre a personagem, como se cada uma dessas sequências nos dessem pistas sobre a vida dessa vingadora (acabei de apagar o outro adjetivo que caberia aqui para não dar spoiler nenhum).
Bela Vingança é uma comédia mas também um filme de vingança e também, como eu gosto de chamar, um horror da vida real.
Diferente do que aconteceu com vários outros filmes esse ano que tinham várias “vertentes” e erraram em todas sem ser nada, Bela Vingança é a mistura mais bem dosada possível disso tudo, como se Fennel fosse uma alquimista fílmica do mais alto escalão.
E eu que lute para decidir qual o melhor filme de 2020.
NOTA: