O melhor filme francês dos últimos anos foi escrito, dirigido e montado pelo Mestre japonês Hirozaku Kore-Eda.
Para quem não está ligando o nome ao “poder”, Kore-eda é o diretor do meu preferido Assunto de Família, só pra ter uma referência bem fresquinha de um dos melhores filmes do ano passado.
A ideia de um filme francês nasceu quando Kore-eda, em 2011, ouviu de Catherine Deneuve que eles deveriam trabalhar juntos. Depois de um tempo ele pensou que se fosse fazer um filme francês, na França, que deveria ter toda a equipe francesa, o que faz de A Verdade um filme francês mas com a assinatura do tapa na cara com luva da pelica francesa mais fina possível do Mestre.
Deneuve é Fabienne, a grande atriz do cinema francês com seus quase 80 anos de idade que acaba de lançar uma auto biografia onde nem tudo é verdade.
Ela recebe a visita de sua filha, genro e neta para o lançamento do livro, que acaba se estendendo para que a filha acompanhe a mãe durante as filmagens de seu mais recente trabalho.
A filha Lumir é vivida com maestria pela outra diva Juliette Binoche em um papel que se eu fosse ela, toda noite agradeceria Kore-Eda ajoelhada antes de dormir.
Há muito tempo, muito mesmo, que Binoche não vive uma personagem tão complexa quanto Lumir.
Ela só não rouba o filme porque Deneuve/Fabienne é daquelas mulheres que ficarão para a história do cinema.
Forte, imponente, sempre com um cigarro entre os dedos, cabelo impecável, soberba, suprema e quantos mais os adjetivos aparecerem para falar da “dona da porra toda”.
O mundo gira em torno de Fabienne, desde sempre, como vamos descobrindo no filme.
E ai de quem não se encaixar em sua roda perfeita de moto contínuo.
Até que entra o roteiro e a mão perfeita do diretor, que vai nos desfiando um rosário a olhos vistos, na história da família e na história do filme que Fabienne roda, uma ficção científica onde ela é a filha de 73 anos de idade de uma mulher que para não morrer, vive no espaço onde não envelhece, e volta a Terra a cada 7 anos para encontrar a filha em diversas fases de sua vida.
Eu juro que esperava uma pseudo metáfora bonitinha da relação da personagem velha de Fabienne e sua mãe mais nova na ficção com a relação da vida real da atriz com sua filha, mas quebrei minha cara lindamente.
Por um momento eu me deixei levar pelo filme e esqueci o quanto Kore-eda é o mestre da sutileza e da surpresa.
A Verdade é tudo o que a gente vê e ouve no filme sobre Fabienne, sua vida, sua família e sua carreira, tudo o que ela não escreveu no livro que acabou de lançar e um mega sucesso de cara.
Mas A Verdade é principalmente sobre a relação de Fabienne e sua filha Lumir. Nem o marido/pai é levado em consideração, ele é a tartaruga do filme, o que é genial. O que importa é o quanto uma joga na cara da outra as verdades, que elas acham que sejam e que acham que a outra não conheça.
Todas as cenas de Deneuve com Binoche são tão lindas, com as 2 atrizes tão bem dirigidas, que eu fico só imaginando os ensaios para elas chegarem nesse nível de intimidade e tensão a flor da pele sem que exploda, como faria um Almodóvar da vida, por exemplo.
Kore-eda é conhecido pelo seu rigor nos ensaios, de chegar onde quer muito antes de filmar. Ter tempo para trabalhar com um elenco desse porte é para poucos e o diretor entrega seu melhor.
Toda a tensão do filme é jogada na cara de cada personagem por outro em uma história onde todos eles já estão acostumados a duas coisas: a acreditarem no que sabem e se surpreenderem com as novidades, as verdades que lhes são ditas.
O jogo de mãe e filha das 2 divas francesas é tão suficiente que o filme tem até um coadjuvante de luxo, vivido por Ethan Hawke (olha que chic) que tem uma função importante mas que poderia ser o Ze da Esquina que não faria a menor diferença.
Já a filha de Binoche, neta de Deneuve é uma menina bilíngue ótima, meio que o escape de fofura do drama todo, vivida pela novata Clémentine Grenier.
Se A Verdade é o filme francês de Hirozaku Kore-eda, eu já lanço uma ideia para produtores do mundo inteiro propiciarem para o cara filmar em seus países, o extremo oposto de quando Woody Allen foi filmar na Espanha e na Itália por não conseguir dinheiro nos EUA. Agora a gente pagaria com prazer pra esses filmes serem feitos pelo mundo.
Ele podia fazer um filme no Japão, depois um em outro país, outro no Japão e assim por diante.
Juro que eu ficaria feliz.
NOTA: