O filme espanhol O Poço que estreou este final de semana na Netflix é uma ficção científica de horror distópico que mais parece um documentário bizarro sobre os dias de hoje.
Exagerei, tá bom, documentário foi demais.
Mas a falta de sutileza e o monte de reviravolta de roteiro de O Poço são absolutamente pertinentes ao mundo sob a pandemia da Covid 19.
O filme começa com um homem acordando no que parece ser uma cela, onde outro homem, mais velho, está deitado do outro lado. Entre os 2, um buraco onde se vê a mesma configuração arquitetônica pra cima e para baixo.
O homem que acabou de acordar tenta descobrir onde está, em uma conversa bizarra com o velho que lá já estava.
Aprendemos que ele está numa cela, sim, e que pelo buraco chega uma mesa gigante de comida. Eles estão no nível 33, e a comida vem lá de cima.
Quer dizer que pelo menos 64 pessoas comeram da mesma mesa antes que eles possam se alimentar.
Quando chega a tal plataforma ou mesa ou sei lá o que cheia de restos de comida, de ossos, de cascas, tudo bem nojento, o velho se delicia enquanto o novato quase vomita.
Ah, detalhe: o prédio, o lugar, tem 200 andares. E uma só plataforma de comida.
E assim seguirá O Poço.
Ou assim eu achava.
A alegoria descarada do “eat the rich” incomoda até não poder mais.
A crueza, a grosseria, a falta de humanidade, o desrespeito, a soberba, tudo se mostra na plataforma e no que vem nela.
Chame de realidade fantástica desgraçada, de não ficção absurda, de retrato dos tempos atuais, de horror da vida real se deixarmos que a vida chegue a isso, só não chame O Poço de um filme insípido, besta, que não tem o que dizer.
O único problema é que sua mensagem é seu meio, seu conceito; e seu conceito é a sua mensagem.
E a gente fica nesse paradoxo filosofal por mais de 90 minutos de onde saímos com dor no queixo, de tão aberta que fica nossa boca e com a cabeça explodindo.
Por sorte, não literalmente, no segundo caso.
NOTA: