Quando eu digo que o melhor cinema de horror dos dias de hoje é o que mostra o horror da vida real e você não acredita, te convido a assistir System Crasher.
A minha tese, na verdade, é maior que essa: pra mim, todo filme de horror é filme de loucura, de gente que passa por situações de loucura onde enxergam fantasmas e monstros no seu dia a dia e dali para cometerem absurdos é um passo.
System Crasher conta a história de Benni, uma menina de 10 anos de idade com problemas sérios de convivência, beirando a sociopatia, que ninguém sabe o que fazer com ela, ninguém.
Nas mãos de um diretor sensacionalista, seria um horror de quinta categoria onde Benni sairia esfaqueando e quebrando a cabeça de todo mundo que aparecesse em sua frente e encostasse em seu rosto.
Nas mãos de Nora Fingscheidt, também roteirista desse filmão, System Crasher (numa tradução tosca seria alguém que quebra o sistema, uma pessoa que não se encaixa no sistema) mostra que a vida real não é fácil para um criança que não sabe viver em sociedade, não é fácil para as pessoas que tem que conviver com essa menina, como sua mãe e seus irmãos menores e muito menos para quem precisa conviver com Benni, seus professores, assistentes sociais, colegas de instituições, famílias adotivas, gente que se propõe a ajudar crianças “radicais” e acabam não sabendo o que fazer a partir de vários pontos extremos que essas crianças atingem.
A história de Benni é daquelas que mais me doem assistir, a história de desgraça anunciada, que me deixa tenso o filme inteiro esperando o caos tomar conta de tudo de uma maneira irreversível.
System Crasher, de novo, nas mãos da diretora Nora Fingscheidt não só me deixou tenso por 2 horas como cumpriu com todos os requisitos de perfeição cinematográfica possíveis.
As personagens são todas, sem excessão, precisas. Até o coadjuvante de fundo de cena tem uma função e a executa a maestria.
A direção de fotografia e a câmera do filme são quase que um dos personagens principais da história: menos que isso, menos que essa “interação” alcançada, o filme perderia um monte em intimidade com a história.
A direção de arte ao mesmo tempo sutil, quase inexistente e muito inspirada também vai ajudando contar a história em pequenos detalhes mostrados como se fossem closes do universo que permeia e cerca Benni.
Benni, vivida pela absurda Helena Zengel, é uma personagem a ser vista, revista e estudada. E sua relação com Micha, o assistente social que a acompanha na escola, fica no limite do inaceitável mas que consiga se segurar brilhantemente o filme todo, graças a direção e também ao nível de entrega do ator Albrecht Schuch, que me fez acreditar em cada uma de suas palavras e ações em relação a menina tão perturbada que nem sua mãe a quer por perto.
P.S.: System Crasher foi o filme que eu mais queria ter assistido na Mostra de Cinema de 2019 e perdi por ter marcado seus horários errados. Coisa do destino, que me fez vê-lo dia 23 de fevereiro, o dia do aniversário da personagem principal Benni. E na Mostra, o filme venceu o prêmio do Juri de Melhor direção, merecidíssimo.
NOTA: