Ontem a noite assistindo o documentário For Sama e ouvindo tantas vezes no filme a narradora e diretora Waad Al-Kateab dizendo que não se conformava como o mundo vendo como o governo Sírio, com uma ajudazinha dos russos, estava destruindo Aleppo e ninguém fazia nada, me fez chorar.
Hoje cedo eu vi um vídeo no twitter de 1968 onde o então presidente do Egito, em uma entrevista coletiva, dizia que o presidente da Irmandade Muçulmana tinha pedido que fosse baixada uma lei para que todas as mulheres na rua fossem obrigadas a usarem o hijab, o véu que cobre a cabeça das mulheres muçulmanas. Só que a lei seria para todas as mulheres, de todas as religiões.
Todo mundo riu muito na coletiva e a gente viu como essa história terminou.
Parece que hoje em dia continuamos rindo dos absurdos políticos nas nossas fuças e continuamos não fazendo nada, até que as mulheres tem que andar cobertas pelas ruas dos países árabes, até que um presidente assassino com aviões russos destrua uma cidade inteira que se opõe às suas ideias, até que o Brasil seja governado por um neo nazista que faz o que quer.
E ninguém faz nada.
A Sama do título do filme é a filha da diretora Waad, que nasce em meio à guerra que literalmente destruiu a cidade, o lar e as vidas da então estudante de jornalismo que se uniu aos universitários oposicionistas, onde conheceu seu marido, um médico que construiu hospitais do zero, em meio a bombardeios para salvar exatamente as pessoas feridas pelas bombas.
O filme é uma carta para a filha e não uma carta de amor. É meio que um mea culpa de Waad por não se conformar e não entender se ela fez bem em engravidar durante uma guerra, se fez bem em não sair de sua cidade com sua família, se fez bem em resistir, se fez bem em deixar a filha em casa enquanto saía com sua câmera de vídeo captando o que conseguia de imagens de morte e destruição e ia colocando na internet para o mundo assistir o que o governo assassino sírio não mostrava.
For Sama é um filme de 90 minutos que eu demorei pelo menos umas 3 horas para terminar de assistir porque mais ou menos a cada 20 minutos eu tinha que parar porque estava chorando copiosamente, de não enxergar nada e de não conseguir acreditar no que eu estava assistindo.
O que vemos no filme é literalmente a destruição geográfica, física da cidade de Aleppo, a capital da resistência na Síria.
Além disso vemos a tentativa de destruição filosófica dessa resistência, onde os poucos que vão sobrando na cidade vão sendo privados de comida, medicamentos, dignidade até que o exército russo começa a quebrar todas as regras de civilidade possíveis e destroem os hospitais da cidade, para que nada mais resista mesmo.
Sama, sua mãe Waad, seu pai médico, seus familiares e amigos são as últimas pessoas a deixarem Aleppo depois de um pedido de rendição feito pelas Nações Unidas em um acordo com os russos, mesmo depois dos mesmos russos terem destruído os hospitais e tudo o que encontravam pela frente.
As cenas deles saindo em uma caravana da cidade e passando pelos check points com a certeza de que seriam presos pelo exército são de uma tensão nunca vista.
Depois de assistir todos os filmes dos capacetes brancos, de ter acompanhado por anos os vídeos de Waad nos blogs, nada me preparou para o mais cru dos filmes sobre uma guerra, sobre um massacre.
For Sama é o documentário que deveria estar no currículo escolar obrigatório de escolas do mundo inteiro, onde a gente assiste o horror real da guerra, filmado por alguém que não um soldado ou um propagandista do lado vencedor.
For Sama é o filme feito por quem resistiu até o último segundo, de alguém que “perdeu” a guerra.
Mas a diretora Waad diz que pior que perder a guerra, é ter que deixar sua cidade, sua história.
For Sama é a história dessa família, dessa guerra, que está aí para que não seja esquecida.
P.S.: For Sama está concorrendo ao Oscar de melhor documentário e como outros 4 concorrentes nesta categoria, dirigido brilhantemente por uma mulher.
NOTA: