O Farol é o tipo de filme muito bom que é resultado de algo que acontece cada vez mais raramente: produtores inteligentes dão dinheiro e liberdade para um autor genial fazer o que ele quiser.
Que. Filme.
O Farol é o segundo filme de Robert Eggers, o diretor do tão amado e mal entendido A Bruxa, que uns anos atrás foi o responsável pela criação do termo (besta) pós terror.
Desta vez Eggers nos entrega um show de horror (literalmente), onde em um farol em uma ilhota no meio do nada, 2 homens, um velho e um jovem, passam 30 dias sozinhos cuidando para que o farol funcione, sendo que um já sabe o que vai acontecer com eles e outro não faz a menor ideia de onde se meteu.
O que o mais novo não sabia era que a combinação perigosa de falta de opção com muita bebida com ambiente propício à paranóia seria sua, digamos, ruína.
Ou assim nós espectadores achamos.
Porque em O Farol, além da loucura pairando sobre os 2 personagens, nada mais é como esperamos. Não importa o que esperemos.
O Farol me deu uma impressão, logo nos seus primeiros 20 minutos, que muito provavelmente seria um filme que o mestre dos mestres do horror H. P. Lovecraft teria feito, um horror visceral, psicológico, onde a loucura tomasse conta do homem e ele soubesse disso apesar de não saber o quanto perdido ele estivesse nesse estado radical.
Como em Dois Papas que resenhei ontem, O Farol é um “embate”, uma tour de force de 2 grandes atores, Willem Dafoe e o cada vez melhor Robert Pattinson (perceba que eu sempre falo bem dele).
Só que diferentemente do confronto entre os 2 papas da dramaturgia Hopkins e Pryce, neste farol quem brilha altivo, imponente é Willem Dafoe.
Dafoe é um dos poucos atores americanos que só fazem filmes bons, daqueles que escolhem a dedo seus projetos mas que no caso tem dedos de ouro e sabedoria à altura. É incrível assistir de camarote a evolução da carreira desse cara que uma vez vi no teatro em São Paulo fazendo As Tentações de Santo Antão e que me deixou emocionadíssimo vivendo o santo católico que cai em tentações algumas vezes antes de entender para que veio ao mundo. A peça era baseada no tríptico de Bosch (que está no Masp, imperdível) e Dafoe se entregava como pouco tinha visto na vida.
O cara que na minha opinião tinha chegado a um nível de (de novo) entrega de loucura em seu Van Gogh, atinge um novo patamar de perfeição com seu Thomas Wake, o falastrão letrado, solitário dono da luz e dos segredos que envolvem o essencial farol e que, ao invés de passar seu conhecimento para o jovem aprendiz Ephraim, por não acreditar em sua vida e pseudo filosofia, o carrega de bandeja ao lado escuro da alma, atributo de poucos, daqueles que atingiram níveis elevadíssimos de existência e que neste caso específico, o faz entender exatamente como é transitar entre os extremos opostos, com um lado sendo a metáfora (na nossa cara) da luz do farol que cega a alma.
Para terminar, preciso colocar Robert Eggers no mais alto patamar da cinematografia de 2019 por ter feito um filme que ao mesmo tempo que lembra um cinema perdido dos anos 1950 (que poderia ter sido estrelado pelo Kirk Douglas no auge de sua força), usa o preta e branco de uma fotografia contrastada, com uma trilha que incomoda e um roteiro que de tão perfeito e bem dirigido, parece que nasceu na boca de seus personagens e não o contrário. E se eu fosse o Rodrigo Teixeira, o produtor paulistano que bancou esse filme, eu entregaria caminhões de dólares a Eggers mensalmente pro cara continuar nos entregando essas obras com a constância maior possível.
NOTA: