The Nightingale é o novo filme da diretora Jennifer Kent, do ótimo O Senhor Babadook.
Tudo de muito bom e aterrorizante de Babadook está neste novo Nightingale, só que de uma forma que o terror vira a vida real de uma irlandesa linda e delicada na Austrália de 1825.
Ela canta tão bem que seu apelido é Rouxinol (o Nightingale do título). Ela trabalha em uma taverna onde é assediada constantemente por militares ingleses que lá vão para beber toda noite. E não pode fazer nada porque ela e seu marido são criminosos irlandeses que foram mandados para a Tasmânia, na Austrália para cumprirem suas penas, já que viver no novo país era a pior pena possível.
Apesar dos pesares, ela sempre volta para sua casa, para seu marido, para seu filho recém nascido, respira fundo e acha forças para mais um dia.
Até que em uma fatídica noite, o capitão inglês que mais a assedia o tempo todo vai até sua casa, bêbado, com outros 2 soldados, porque quer que ela “cante” pra ele.
E uma tragédia que ela não poderia jamais sonhar acontece.
Os 3 oficiais vão embora como se nada tivesse acontecido e a pequena e delicada rouxinol resolve se vingar.
Ela “compra” um aborígene, Billy, o pássaro negro, que a ajuda a atravessar uma floresta perigosa em busca dos homens que estão indo até um posto do exército do outro lado da ilha, sem saberem como vão chegar e pior, que estão sendo seguidos por uma mulher furiosa.
The Nightingale é o grande filme de vingança de 2019 com uma história tão boa e tão cheia de nuances e significados que deixa muito filmão pretensioso no chinelo.
Em As Fúrias eu já falei do poder e da força da mulher furiosa.
A Rouxinol deste filme é o modelo de mulher forte, que não para por nada, que vai até o fim e que o fim para ela não é o fim para sua “vítima”. Coloquei o vítima entre aspas porque em uma caçada seria a vítima, mas em uma vingança, quem realmente é a vítima?
O rouxinol delicado, com a voz da Margot Timmins do Cowboy Junkies, é uma das grandes personagens do ano e encontrou o poder na irlandesa Aisling Franciosi, uma atriz irlandesa de 23 anos de idade que se entrega 100% no papel de sua vida.
Na outra ponto do espectro The Nightingale tem também um dos piores vilões do ano, o capitão inglês vivido pelo bonitão Sam Claflin.
Poucos personagens foram mais cruéis, frios e filhosdaputa do que Hawkins, um covarde que faz o que quer, do jeito que quer, quando quer e o pior, também manda que façam para não sujar suas mãos.
Hawkins é daqueles personagens que você, desde a primeira cena que ele aparece, torce para ter um final à altura de sua crueldade.
Uma das grandes coisas do roteiro é ter colocado o rouxinol atravessando a floresta atrás do vilão. E junto dela o aborígene que não é nem branco nem negro, como eles dizem e por isso mesmo ser mais desprezado ainda.
O laço que vai se criando entre os 2 é de se elogiar muito, com os melhores diálogos possíveis que começam com palavras de ordem e terminam com solidariedade bizarra, porque a diretora Kent não facilita para nenhum personagem em seu filme.
A Tasmânia inóspita de 1800 é o cenário mais absurdo para uma história que atinge níveis de profundidade como poucas.
O filme começa com uma porrada na cara e 2 no estômago do espectador. E não para, não dá muito tempo de respiro em suas mais de 2 horas de montanha russa, daquelas que a gente perde o ar, tenta respirar fundo rapidamente porque sabe que a próxima queda é maior e mais íngreme.
The Nightingale é brutal, com (vários) momentos de eu não conseguir olhar para o filme, de entender que apesar de não ser um horror, o filme é permeado pelo terror da vida real, de entender que o vilão de carne e osso e poder é realmente do mal em um universo que para piorar, ele é a lei, então o que ele faz não está errado.
Todo amor que senti pela diretora Kent em Babadook só se confirmou e cresceu com The Nightingale.
Sua direção afiada, seu senso estético, seu poder de me deixar tremendo de medo e pior, de ódio, fazem dela um dos grandes nomes do cinema australiano.
NOTA: 1/2