Se você estiver pronto pra um tapa na cara (de acorda) e um soco no estômago (de nojo), Papicha é o seu filme.
O respresentante argelino à corrida pelo Oscar de filme gringo, já em cartaz nos cinemas, me deixou de pernas bambas semana passada na Mostra de São Paulo.
O filme conta uma história real ocorrida nos anos 1990’s na Argélia e que está se repetindo aqui, entre nós neste Brasil perdido, em pleno 2019.
Papicha é a forma jocosa e desrespeitosa como as mulheres eram (ainda são?) chamadas pelos homens escrotos na rua, seria o equivalente de “gostosa” com a chupada de saliva, bem baixo.
As papichas eram as mulheres que não seguiam os preceitos islâmicos ao pé da letra em plena era que os muçulmanos estavam tomando o poder na Argélia, o país que virou a latrina francesa depois de sua independência.
Para vocês terem ideia, nas décadas de 1980 e 1990 ainda era tão ruim alguém na França dizer que tinha ascendência argelina que as pessoas escondiam esse detalhe.
A Deusa Isabelle Adjani, ao receber o César por seu papel em Camille Claudel, chocou a França, parou tudo e teria quebrado a internet se lá já existisse quando em 1988 subiu com o vestido mais lindo de todos, as jóias mais caras e contou ao mundo que ela era filha de argelinos com muito orgulho, ao agradecer o prêmio.
Para afrontar mais ainda, ela leu alguns versos de “Os Versos Satânicos” de um escondido do mundo Salman Rushdie que estava com a cabeça a prêmio em uma fatwa islâmica, por ter publicado esse livro que “zombava” da vida de Maomé.
Pouco escândalo, né? Papicha tá nessa vibe escandalosa, como estamos nós hoje em dia.
Uma jovem universitária de francês, ganha um dinheirinho fazendo vestidos para suas amigas, em um job informal para ganhar um dinheiro extra.
Vende em seu quarto na universidade mas também nas baladas, onde transforma o banheiro da boate em seu escritório e lá tira medidas e entrega vestidos encomendados.
Ela e suas amigas não usam os lenços cobrindo suas cabeças, não seguem à risca os preceitos religiosos, apesar de serem muçulmanas.
Em casa, sua mãe viúva vive uma vida sem radicalismos e sua irmã mais velha jornalista, acaba sendo assassinada quase em sua frente por uma mulher de burca.
Nedjma vai ficando cada vez mais revoltada com o que está acontecendo à sua volta e resolve fazer um desfile de moda em sua universidade com vestidos que criou a partir de hijabs, os lenços de cabeça.
A ideia logo é oprimida pela diretora e por outras estudantes radicais. Mas ela e suas amigas vão até onde for necessário para resistirem à intolerância.
O que me deixou tão tonto em Papicha fio perceber que o radicalismo religioso de lá é praticamente o mesmo que temos visto aqui no Brasil.
A proibição de mulher na rua sem véu, sem todas as partes do corpo cobertas é o final dos primeiros passos que são dados e que a gente acha bobagem como “menino veste azul, menina veste rosa”.
O filme é claustrofóbico, a câmera está tão perto de suas protagonistas que a gente se sente quase incomodando. Mas não poderia ser diferente, essa intimidade é o que deixa o filme mais pulsante ainda.
Papicha mostra que se não tomarmos cuidado, o mofo fundamentalista vai tomando conta de tudo até que é tarde demais para qualquer ação que não seja a mais radical.
Eu imagino que Papicha não tenha sido fácil de ser produzido numa Argélia que ainda hoje não é dos países mais sossegados do mundo e só por isso o filme merece um bando de claquetes e de amor.
NOTA: 1/2