O Pássaro Pintado foi o filme escândalo do último Festival de Veneza.
Segundo relatos, muita gente ia saindo das sessões do filme por causa de sua frieza e crueldade.
Eu sempre duvido dessas histórias que mais parecem propaganda mas ontem eu vi isso na sessão que estava.
O Pássaro Pintado é o representante da República Tcheca na corrida pelo Oscar de língua não inglesa. É um filme de 3 horas e pouco de duração que parecem demorar o dobro por causa do sofrimento todo que nos é infligido pela fotografia mais linda possível num preto e branco contrastado de dar inveja.
O filme conta a história de um menino judeu vivendo no meio do nada na Europa Oriental com sua tia velha durante a Segunda Guerra Mundial enquanto seus pais se escondem como podem.
Quando sua tia morre, ele precisa andar, caminhar, seguir em frente sem saber pra onde ir só que não pode ficar parado.
E aí começa seu périplo, passando por vilarejos, casinhas perdidas, encontrando famílias, pessoas solitárias, todos com medo do que está acontecendo em sua volta, com medo do que não conhecem. E ninguém conhece esse menino que chega do nada.
O pássaro pintado do título é uma “brincadeira” que um velho faz, pintando literalmente as asas de um pássaro e soltando para que ele voe em meio a um bando que está voando por perto.
O bando não entendendo o que é aquilo que chegou, ataca o forasteiro como pode até matá-lo no vôo.
Esse é o menino, tentando sobreviver aos percalços do seu caminho.
E se a gente achava que os vilões do filme seriam os nazistas cruéis, o que eles fazem com o menino não chega aos pés do que os aldeões e suas crenças e medos cometem.
O Pássaro Pintado é um pesadelo de 3 horas, o filme mais cruel que vi nos últimos tempos que fica mais visível ainda por seu formalismo.
É diferente de assistir Climax, por exemplo, o filme francês moderninho malucão da bad trip cruel dos dançarinos, todo estilizadão. E chato.
O Pássaro Pintado parece um filme feito pelo diretor mais careta e “normal” de todos, daqueles que iam bem nas aulas teeoricas na faculdade e soube colocar super bem em prática.
Mas o cara é mais que isso. A beleza do filme, a estética, os planos perfeitos estão ali de contraponto ao que vemos, ao desespero, à sacanagem e ao abuso.
O Pássaro Pintado, o menino judeu pintado, é o filme onde o personagem principal mais sofre na história do cinema, provavelmente. Não consigo lembrar de nenhum outro nesse nível.
Quando a gente pensa em um filme de ação tipo John Riddick, por exemplo, que o Keanu apanha um monte mas depois tem a redenção e mata todo mundo, o pássaro não teve a mesma sorte ou a mesma chance.
Ele se ferra muito e só. Não tem redenção, não tem vingança. O menino não é um super herói.
O filme é separado por pequenos capítulos, como deve ser o livro clássico que serviu de inspiração. Cada capítulo tem o nome do personagem principal que o menino encontra no próximo caminho de sua jornada.
E cada personagem desses é mais absurdo que o anterior, eles não vão melhorando com o tempo.
A única coisa que melhora é o “couro” do menino que vai ficando mais resistente às surras que ele não para de levar, quer seja do povo de um vilarejo que acha que ele é um vampiro, quer seja de um homem que compra o menino de um padre e o estupra toda noite ou de uma mulher linda que usa o menino para se masturbar, já que ele não é crescido o suficiente pro sexo.
O pior de tudo é que o menino, na vã tentativa de ser aceito, é bacana com todos, ajuda como pode, vai aprendendo pelo caminho e usando de seu conhecimento para mostrar que pode ser útil.
E nada disso adianta. A Guerra iminente que os ronda parece que tira todo mundo do sério fazendo com que o caos impere.
O diretor Vaclav Marhoul teve a coragem, tirada não sei de onde, de fazer um filme sem concessões, sem medo. O nível de crueza de O Pássaro Pintado é enorme e sem precedente. Os closes são infindos e necessários até. E quando a gente acha que chega, acabou, por favor, vem mais um piano caindo em nossas cabeças cinéfilas.
Sabe mal necessário? Filme para poucos? Os fracos de estômago devem evitar? Tudo isso e mais um pouco se aplica ao filme, que tem um elenco muito bem dirigido e participação especial de uns atores fodões como Udo Kier, Harvey Keitel, Julian Sands, Stellan Skarsgard, cada um deles contribuindo como pode para o calvário do menino em fuga.
O pássaro pintado em busca de seu bando que o mata assim que o encontra.
NOTA: 1/2