por Gabriel Correia
“Muitos me disseram que ela me traiu, mas eu não acreditei, não acredito. Eu não vi”, diz o frentista abandonado num posto qualquer em alguma cidade perdida no interior do país. Então, Amado Batista canta as agruras do apaixonado que perdeu um grande amor. Assim começa Vou Rifar Meu Coração, filme de estréia de Ana Rieper, que passa a fazer parte da programação do Canal Brasil a partir deste mês de Maio. Documentário que apresenta um panorama da música popular brasileira romântica a partir de depoimentos de artistas consagrados e fãs anônimos, o filme parece a todo o momento tentar incitar alguma reflexão sobre o preconceito que o estilo, pejorativamente chamada de brega, sofre por parte da crítica musical e dos meios de comunicação. Entretanto, tal reflexão é diluída numa construção fílmica extremamente apologética, na qual não há espaço para contra-argumentações e demais opiniões contrárias que fujam do esquema “as pessoas aqui se identificam porque elas vivem o que elas ouvem”, frase dita por um artista do gênero. Não consigo, porém, enxergar um grande equívoco nesse tipo de abordagem. A música romântica, ou brega se preferirem, é em si um grande paradoxo, atingindo desde as camadas mais pobres da sociedade aos alternativos classe média que enxergam no exagero temático e nas melodias rasgadas um exótico ao mesmo tempo alienígena e familiar. E é esse olhar para o exótico o grande trunfo do filme. Os artistas entrevistados falam sobre o estilo (e o defendem) com a mesma paixão que transborda de suas canções e os anônimos trazem em suas histórias referencias vivas às letras que adoram. O rapaz que se casou com a prostituta que o desvirginou, o travesti Marcos e sua desilusão com o ideal do amor verdadeiro são depoimentos que ressaltam o que o filme tem de melhor, a habilidade de tecer, a partir de um gênero musical, um mosaico de historietas sobre desilusões amorosas, paixões tresloucadas e todas as dores de corno possíveis e imagináveis. Afinal, “o cara pode morrer de paixão”, como diz Lindomar Castilho em determinada momento no filme.
Coluna publicada originalmente na versão impressa do Jornal Primeira Página de São Carlos em 24 de Maio de 2013.