E deveria, para seu próprio bem de amante televisivo.
Succession terminou sua segunda temporada domingo passado com provavelmente o episódio que vai vencer o Emmy de roteiro em 2020, assim como um episódio de sua primeira temporada venceu o mesmo prêmio esse ano.
A série conta a história de Logan Roy, o biliardário dono de uma das maiores corporações de mídia dos EUA e de como seus quatro filhos armam, manipulam e fazem de tudo para ficarem em seu lugar, já que ele está prestes a se retirar de campo pela idade avançada.
Detalhe: como todo bom biliardário, claro que Roy e sua família são quase nazistas, da direita radical que pouco se importa com a verdade, as fake news ou qualquer que seja o nome novo para isso. Ele só se importa em ficar mais rico e, se possível, ter o poder total dos meios de comunicação.
Alguém pensou em Rei Lear? Ou mesmo Ran, a versão de Kurosawa do clássico shakespeariano?
Succession é isso, só que trazido para a linguagem televisiva dos anos 2020, claro que como nunca mostrado antes.
É o cúmulo do drama, com episódios de 1 hora só que longe, muito longe, dos clássicos que amamos como Six Feet Under ou Os Sopranos. Ou mesmo Game Of Thrones.
Succession tem 10 episódios por temporada, cada um deles uma aula de roteiro e de como se deve fazer televisão hoje, em dias de streaming e binge watching.
Eu fico, nos 6 dias entre um episódio e outro, lançados semanalmente como eu amo, pensando no episódio anterior, como foi bem escrito, bem resolvido e como cada personagem principal, que são vários (o tal do (anti)herói coletivo que eu tanto amo) vai sobreviver na próxima tacada do velho Roy.
Pra dar uma ideia, por exemplo, do texto de Succession, imagine as vomitadas de diálogos de Gilmore Girls, onde cada frase tinha 500 palavras e nenhuma pontuação. Em Succession os diálogos tem 500 pontos e meia dúzia de palavras.
Logan Roy, o pai, é o cara que veio do nada, virou o fascistóide dono do mundo e não admite nada que lhe seja desfavorável. Ele tem 4 filhos, o mais velho um playboy que quer ser presidente dos EUA e nunca trabalhou na vida; Kendall, o cocainômano que se joga no crack eventualmente, é o braço direito do pai, ou o dedo mindinho direito, o mais ávido por seu lugar; Shiv, a filha querida, a única que não trabalha com Roy, gosta de política e pretende ser assessora do único senador americano que não recebe propina de seu pai; Roman, o filho mais novo, porra loca, diz o que quer, o mais irônico, sarcástico e o que mais tem medo do pai, apesar dos pesares.
Os ricos e poderosos parecem não precisar falar exatamente o que querem dizer. E eles se entendem mesmo assim. No último episódio da temporada 2, Kendall, um dos filhos de Roy que quer seu trono, em uma conversa com um ricaço que não quer fechar um acordo bilionário com ele, tem um arroubo de incredulidade e faz uma ameaça bizarra com uma enxurrada de palavrões e palavras mais fortes que seu ódio, quando o tal ricaço só responde “não adianta você vomitar isso tudo aqui, sei que você não tem coragem de fazer nada disso”. Isso explica muito do texto de Succession, onde o não dito tem muito mais força e poder que o dito.
Estamos quase em 2020 e a moda hoje é a irritante reviravolta de roteiro. Não espere encontrar isso em Succession. As surpresas são poucas, até porque Roy, seus filhos e seus empregados, jogam o jogo do poder como a gente imagina.
Não tem tanta surpresa em ações, mas surpresas em como essas ações são colocadas em prática.
Tudo é grandioso. Muito.
Eles são andam de jatos particulares maravilhosos. Iates gigantescos com heliponto. SUVs blindadas com mais 3 iguais cheias de assessores e seguranças atrás.
A comida é fantástica, os apartamentos enormes, as casas maiores ainda, ninguém fala em milhares, são sempre milhões de dólares. O filho mais velho falido e doido, que comprou o pinto embalsamado do Napoleão por meio milhão de dólares, perdeu mais de milhões com a peça horrorosa de sua esposa atriz fracassada. Quando vai pedir ajuda ao pai ele pede 100 milhões de dólares, porque está com o caixa baixo. O pai diz que dá o dinheiro a ele com uma condição. E a condição é a mais patética de todas. Esse é o tipo de reviravolta de roteiro, o patético dos bilionários.
Succession demora para pegar, seu ritmo é muito mais lento que o habitual mas quando pega, o fogo se alastra na hora.
Se você estava procurando a série da HBO sucessora de Game Of Thrones, achou. Ou achei para você.
De nada.
Satisfação e vício garantidos, Succession é das séries que daqui uns anos as pessoas vão se arrepender de não terem assistido quando foi ao ar porque eu prevejo cópias ruins aparecendo em 5, 4, 3…
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