por Gabriel Correia
Se o cinema é um hábito social, no que diz respeito ao ato de se deslocar até uma sala de exibição, pagar um ingresso e adentrar nesse espaço comum para assistir a um filme, o consumo do objeto fílmico há muito tempo passou a ser algo tão caseiro e íntimo quanto a leitura de um livro. Sem querer entrar no mérito da questão sobre o declínio do cinema enquanto hábito, o fato é que as novas formas de difusão que os videocassetes e DVD players, inicialmente, e agora a internet proporcionaram, possibilitaram o acesso mais amplo e democrático a filmes que antes ficavam restritos a circuitos de exibição alternativos, inacessíveis a grande parte da população. Dito isso, gostaria agora de tecer um breve comentário sobre uma dessas obras, o filme Rir É o Melhor Remédio, obra obscura do realizador francês Pierre Étaix que, após restaurada e relançada, encontra-se agora acessível a todos na internet. O filme é dividido em quatro segmentos independentes que se conectam pelo mesmo protagonista e é um belo exemplo de comédia de gags audiovisuais com uma pitada de nonsense e situações que exploram o cotidiano da classe média francesa (à época que se passa, os anos 60). O primeiro segmento explora a atmosfera criada na cabeça de quem se vê imerso na leitura de um conto, no caso, uma história de vampiro; no segundo o cenário é justamente o do cinema como hábito social, com destaque para uma divertida crítica à publicidade que então se via entre os filmes (e não dentro deles como hoje); o terceiro segmento expõe o caos urbano entre canteiros de obras e trânsito congestionado, sempre ressaltando o barulho ensurdecedor e mostrando motoristas quase zumbis que, em meio ao absurdo da situação, só podem sorrir uns aos outros ou se entregar à doença do momento, “os nervos, constantemente os nervos …”; já o quarto e último segmento remete à Idade Do Ouro de Buñuel, quando retoma os personagens dos segmentos anteriores e os leva ao campo, onde uma atmosfera surreal irá reuni-los para uma despedida aos espectadores que os acompanharam até ali. Comédia talvez sofisticada e sutil demais para os padrões atuais, Rir É o Melhor Remédio está, felizmente, a um clique de distancia de qualquer um que o queira assistir, graças ao trabalho dos restauradores e também à internet.
Coluna publicada originalmente na edição impressa do Jornal Primeira Página de São Carlos em 12 de Julho de 2013.
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