por Gabriel Correia
Um dia um professor disse que o cinema contemporâneo se caracteriza pela exploração de ambientes construídos para proporcionar ao espectador uma experiência sensorial, de imersão em um universo ficcional. Trocando em miúdos, ele queria dizer que no cinema atual o que importa é a elaboração de um mundo de histórias no qual o espectador possa navegar, através dos personagens e das histórias contadas, tal qual um jogador o faz num videogame. Se isso é verdade, nenhum filme brasileiro atual é mais contemporâneo do que O Som ao Redor, primeiro longa de Kléber Mendonça Filho, pernambucano que fez seu nome com alguns dos curtas-metragens mais interessantes de nossos tempos como A Menina do Algodão, Vinil Verde, Eletrodomésticas e Recife Frio (recomendo uma passada no Porta Curtas ou qualquer meio alternativo de distribuição para uma conferida). Em O Som ao Redor o diretor atinge seu ponto alto enquanto realizador ao construir, através de um interessantíssimo mosaico de situações e personagens, um microcosmo da classe média recifense, e por que não, da brasileira. O mote principal da trama é a ilusão de segurança conseguida através de câmeras de vigilância, muros, grades e um serviço particular de vigilantes noturnos. É nesse ambiente que o espectador imerge na primeira parte do filme, quando somos apresentados aos principais “guias” desse esquizofrênico tour. Em seguida, a ilusão de segurança começa a ser sutilmente desfeita e a tensão criada atinge níveis críticos em dois momentos chave: o pesadelo da jovem Fernanda, no qual uma multidão de delinqüentes invade sua casa; e na cena de sexo entre Clodoaldo e a empregada de Francisco quando uma criança aparece de relance, escondida na casa que deveria estar vazia. A partir desse momento o filme se encaminha para sua conclusão engenhosamente trabalhada, na qual a surpresa final amarra e dá sentido ao crescendo que foi desenvolvido durante as duas horas anteriores. Kléber Mendonça Filho realiza um filme contemporâneo que dialoga com sua obra sem soar boçal ou blasé. Cinema para todos os gostos.
Coluna publicada originalmente na versão impressa do Jornal Primeira Página de São Carlos em 31 de Maio de 2013.
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