A aula do dia 30 de maio trouxe considerações sobre a utilização da multimodalidade nas narrativas transmidiáticas. Em agosto de 2011, Henry Jenkins apresentou a postagem “Transmedia 202”, em revisão e complementação à sua aula “Transmedia 101”, esta última no qual cunhou o termo “Narrativa Transmídia”. Segundo Jenkins (2011):
Uma obra precisa combinar intertextualidade radical e multimodalidade buscando causar efeitos de compreensão aditiva para ser considerada uma narrativa transmídia (JENKINS, 2011).
Utilizou-se o conceito de multimodalidade segundo Kress & Van Leueen (2001), que afirma que a utilização da multimodalidade (na narrativa) ocorre quando um texto distribui seu significado utilizando mais de um código semiótico. Em outras palavras, a multimodalidade se apropria das affordances, as capacidades das plataformas de produzir distintos significados intrínsecos aos seus modos e possibilidades tecnológicas de produção de sentido, sejam elas imagéticas, textuais (escrita), espaciais ou sensoriais para produzir as tecituras do texto. Pode-se inferir, portanto, que toda narrativa transmidiática utiliza-se de capacidades multimodais, ou, seja, de diferentes plataformas para produzir sentido e coerência na narrativa. A recíproca não é verdadeira. Nem toda narrativa multimodal é transmidiática, já que adaptações de livros para seriados, filmes ou outras plataformas não adicionam extensões ou complementações de um conjunto narrativo que vai se expandindo por várias plataformas produzindo novas significações.
Entretanto, se valermos-nos dos estudos de Christy Dena (2009), podemos admitir que a adaptação de um texto original para outra mídia sempre produz novos significados, já que as affordances de cada plataforma permitem experiências únicas – a singularidade da imagem em movimento, da experiência imersiva do videogame e a utilização interativa do tato em um aplicativo para dispositivos móveis por si só trazem novos modos de experimentar e de ampliar os novos significados da narrativa. Para deixar mais claro esse conceito de singularidade das propriedades das histórias em cada mídia de acordo com as affordances, peguemos como exemplo o romance ficcional “O Nome da Rosa”, de Umberto Eco, e sua respectiva adaptação cinematográfica (Dir. Jean-Jacques Annaud – EUA/1986).
Eco, durante a construção do texto do romance que mostra as “perversões”, crimes e mistérios ocorridos em uma abadia da era medieval, insere termos em latim exaustivamente durante as páginas do livro. Tais termos não contam com nenhuma explicação dentro dos paratextos do livro (notas de rodapé, por exemplo); mas foram explorados e traduzidos na leitura dos consumidores. É uma possibilidade de causar curiosidade e tentar provocar novas interpretações da narrativa através da busca da resolução desses “enigmas”. Sabendo-se que Eco é estudioso da estética e costumes medieval, pode-se inferir que seja apenas uma brincadeira por parte do autor. De qualquer maneira, foi utilizada uma affordance do texto escrito, a possibilidade de inclusão de intertextualidade dentro de um texto. O mesmo não aconteceu na adaptação cinematográfica de 1986.
De qualquer maneira, essas possibilidades de compreensão aditiva, ou seja, de elementos isolados em um texto que podem alterar o entendimento do “todo” da narrativa, podem ser potencializadas com a emergência do paradigma das tecituras narrativas que convergem com a utilização de multiplataformas. No seriado Lost, por exemplo, que teve a narrativa central focada nos episódios de televisão, a compreensão adicional pôde ser adicionada nas outras mídias sobre as quais o universo se expande: livros que contam a histórias de personagens que estavam no avião que caiu na ilha misteriosa, videogames, jogos de realidade alternada (ARGs), episódios para telefones celulares (que obviamente deveriam ter padrões estéticos diferenciados de acordo com o tamanho da tela e o comportamento do consumo em dispositivos móveis) que trouxeram resolução de mistérios do seriado, e sites que se inserem na trama.
A multimodalidade e a compreensão aditiva não são uma via de mão única do texto para o leitor. Os easter-eggs no seriado, ou seja, imagens adicionadas pela produção que aparecem em poucos frames, só podem ser percebidos e analisados com a ajuda de artefatos tecnológicos que possibilitam a captura de frames e a postagem desses em comunidades de discussão online. Os fãs também produzem de modo multimodal: escrevem, produzem vídeos (paródias, recapitulações), criam infográficos e mapas do desenvolvimento da ilha de Lost. Passa-se, portanto, de uma leitura estruturalista do texto em si mesmo (cf Greimas) para uma abordagem da produção de significado com o relacionamento do leitor e de sua negociação cultural com o texto (cf. BRUNER, 1986, ISER, 1979).
A produção cartográfica, como modalidade imagética, produz espaços , os ressignifica não como meras reproduções de um espaço fechado e dado como real estratificado. Tomando o aporte da multimodalidade (imagem, texto, infográfico) na construção dos mapas dos fãs, podemos entender que a evolução dos mapas do site lostmap.blogspot.com demonstra as mudanças e as multiplicidades da compreensão da trama. Para efeito de ilustração, mapas da primeira, terceira e última temporada criados por um fã: reflexos da compreensão e das negociações entre uma obra aberta, seus leitores (e posteriormente produtores):
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BIBLIOGRAFIA:
BRUNER, Jerome. Actual Minds, Possible Worlds. Cambridge: Harvard University Press, 1986.
DENA, Christy. Transmedia Practice: Theorising the Practice of Expressing a Fictional World across Distinct Media and Environments, 2009.
ECO, Umberto. Il Nome Della Rosa. Miião, Bornpiani, 1984.
JENKINS, Henry, Transmedia Storytelling 101 (disponível em www.henryjenkins.org/2007/03/transmedia_storytelling_101.html)
JENKINS, Henry. Transmedia 202: Further Reflections. Confessions of an Aca-Fan. The Official Weblog of Henry Jenkins. Disponível em http://henryjenkins.org/2011/08/defining_transmedia_further_re.html
KRESS, Gunther.R. and Van Leeuwen, Theo. Multimodal Discourse: the modes and media of contemporary communication. Londres, RU: Edward Arnold, 2001.
LIMA, Luiz C. (org.) . A Literatura e o Leitor: textos de Estética e Recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
PADRÓN, Ricardo. “Mapping Imaginary Worlds” in AKERMAN, James; KARROW, Robert. Maps: Finding Our Place in the World. Chicago & Londres, Estados Unidos: University of Chicago Press, 2007. p. 255-287
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