A última aula da disciplina de Narrativa Transmídia e Mídias Locativas abordou o tema “Franquia Cinematográfica e construção de mundos”. Deve-se fazer distinção do conceito de franquia utilizado comumente pela economia para a denominação de cadeias de empresas à aplicação do termo para produtos (trans)midiáticos e bens simbólicos:
Derek Johnson define uma franquia de mídia como “o meio pelo qual os produtores de mídia corporativa produzem sinergia e dessa estrutura surgem as estratégias narrativas da narrativa transmídia que estendem as experiências em vários sites da experiência cultural. Posicionados como parte de uma mesma história, os vários componentes da narrativa transmídia tornam-se a arte de construir mundos (JOHNSON, p. 7).
Um exemplo contemporâneo de franquia de mídia é o filme “Os Vingadores” e todo o universo que vêm sido formado nos filmes anteriores dos heróis cuja propriedade intelectual para exploração nas telas de cinema são da mesma produtora (Thor, O Homem de Ferro, Capitão América, etc). Desta forma, durante os filmes foram sendo desenvolvidas características narrativas que permitiram que um universo coeso e coerente fosse desenvolvido. Em adaptações de histórias em quadrinho as constantes vendas e compras de direitos autorais referentes à um herói dificulta a criação de universos que não se contradigam. No caso de “Os Vingadores”, foram sendo dadas pistas durante a diegese dos filmes de que haveria lacunas a serem completadas em uma nova produção. É importante ressaltar que as formas de leitura do filme são diferentes conforme o nível de conhecimento dos mundos criados em outras plataforma, como os quadrinhos, jogos e sites.
Outro caso de franquia cinematográfica de sucesso é o Batman. Criado em 1939 na revista de quadrinhos Detetive Comics, o homem-morcego foi adaptado em inúmeras versões. Sua diegese (o mundo dado como real dentro da história) sangra os limites de uma única mídia. A narrativa de Batman, ou as “narrativas de Batman” formaram uma franquia disponibilizada em filmes, desenhos animados, seriados de televisão, dramatizações no rádio, videogames e criações de fãs (fan-fiction). Entretanto, o fator que une e permeia todas as narrativas de uma franquia como o Batman é “o mapeamento de palavras ou outros elementos semióticos” (HERMAN, 2009, p.105). Em outras palavras, a caracterização do Batman e a recepção da narrativa como sendo pertencente ao universo Batman passa pelo reconhecimento da “cartografia” da cidade ficcional Gothan City e de seus elementos estético-semióticos. Essa representação é necessária para que a audiência reconheça a identidade do herói ou da trama, seja ela desenvolvida em qualquer mídia.
Um dos casos mais conhecidos de produção de fãs do Batman que obedece a um centro narrativo é o curta não-oficial “Batman: Dead End”. Produzido por fãs e exibido na feira Comic-Con 2003, o filme trás novamente o cenário de Gotham City e uma história alternativa, um mundo possível para a resolução dos conflitos do personagem Batman:
Narrativa Transmídia
Outro conceito que se confunde com as definições de universos expandidos de franquias de mídia é o de Narrativa Transmídia. Cunhado por Henry Jenkins em 2003, o termo designa o desenvolvimento de uma narrativa cujos elementos complementares são espalhados e desenvolvidos em várias plataformas midiáticas com a intenção de criar uma “experiência de entretenimento unificada e coordenada”. Sendo assim, cada mídia contribui de alguma forma para o desenvolvimento da história e do mundo ficcional (e seus personagens, locais, ações, etc).
Um exemplo de franquia transmidiática citado na aula é o de Matrix. Criado como um único filme em 1999, pode ser caracterizado por Geoffrey Long (p.22) como um modelo de narrativa transmídia “chewy”, ou seja, “mastigada” em que a adaptação transmidiática só veio depois do lançamento do produto. O primeiro filme desenvolvido pelos irmãos Wachowsky, que mostrava a mitologia de uma história cyberpunk em que humanos viviam em um mundo “virtual” e necessitavam serem acordados e vencer as máquinas da qual se tornaram escravos; cujo heroi foi personificado pelo personagem Neo; foi desenvolvido independentemente das outras produções. Entretanto, vendo as possibilidades de expansão de um mundo com várias “lacunas narrativas” ou “pontos de entrada” de uma narrativa complexa, um conjunto de elementos do universo foi desenvolvido nas mais distintas mídias: dois filmes subsequentes: Matrix Reloaded (2002) e Matrix Revolutions (2003), animações (Animatrix, 2003) que traziam personagens e elementos cênicos que faziam com que a compreensão da história acontecesse de forma diferente e mais coesa, histórias em quadrinhos físicas e online, um jogo de videogame: Enter The Matrix, que situa o espectador temporalmente entre o segundo e o terceiro filme e um MMORPG (jogo de RPG que pôde ser jogado online por milhares de fãs, na tentativa de continuar construindo o universo de Matrix, mas descontinuado em 2009). Outras categorizações referentes ao momento em que a iniciativa de criar um universo transmídia são citadas por Long (2007): soft (quando algum componente da narrativa faz sucesso e gera uma extensão; e hard: narrativas transmidiáticas projetadas desde o início.
A combinação do consumo de todos esses “pedaços” da narrativa traz experiências distintas ao espectador, visto que informações relevantes e que alteram a compreensão do andar da trama eram distribuídas em várias plataformas. Para que a compreensão seja coesa pelos usuários há a necessidade de “pistas migratórias”: elementos da narrativa que se repetem ou são referenciados em diferentes mídias em diferentes tempos e que fazem com que haja o reconhecimento da coerência do universo ficcional criado. “Nenhum meio contempla o universo completo em que vive o personagem principal Neo“
Percurso narrativo da “carta”, um objeto apresentado no jogo “Enter The Matrix” e retomado em “Animatrix” e em “Matrix Reloaded”, segundo filme da trilogia. A seguinte ilustração é uma demonstração da movimentação de uma pista migratória dentro da narrativa transmidiática; gerando continuidade.
Comparação de elementos estéticos que caracterizam a franquia tanto na plataforma do game quanto no cinema, feita pelo blog de Tim LongHurst:
A possibilidade de criação de sinergia, ou seja, a “consolidação da economia das mídias” é aumentada dada a atual complexidade e variação de setores dentro de grandes conglomerados midiáticos, característicos da atual fase do capitalismo globalizado em que grandes estúdios compram ou criam divisões de outras mídias. Desse modo, há uma integração horizontal dentro de conglomerados produtores de conteúdos culturais: a possessão de editoras, estúdios cinematográficos, divisão de produção para a televisão, parques temáticos, gravadoras e empresas desenvolvedoras de software e games. Isso facilita a criação de universos que se “espalhem” narrativamente nas potencialidades de criação de cada uma dessas divisões de mídia.Essa sinergia e integração horizontal já era vista na Disney na década de 1930, como mostra o mapa mental abaixo, que mostra os fluxos produtivos de uma narrativa e a apropriação de cada setor da empresa de maneira a criar uma narrativa que possa ser consumida de inúmeros modos, inclusive a partir dos parques de diversão que ostentam os personagens e os mundos ficcionais da empresa:
Franquias Transmidiáveis:
Referências Bibliográficas:
DENA, Christy. Transmedia Practice: Theorising the Practice of Expressing a Fictional World across Distinct Media and Environments, 2009.
HERMAN,David. Basic Elements of Narrative, Wiley Blackwell, West Sussex, 2009.
JENKINS, Henry, Transmedia Storytelling 101 (disponível em www.henryjenkins.org/2007/03/transmedia_storytelling_101.html)
JOHNSON, Derek – Franchising Media Worlds: Content Networks and the Collaborative Production of Culture”. University of North Texas, 2009.
KLAUSTRUP, Lisbeth; TOSCA, Susana. “Transmedial worlds – rethinking cyberworld design”. In Proceedings International Conference on Cyberworlds 2004. (disponível em http://www.itu.dk/people/klastrup/klastruptosca_transworlds.pdf)
LONG, Geoffrey A. Transmedia Storytelling – Business, Aesthetics and Production at the Jim Henson Company. Master Thesis. MIT, 2007. (disponível em http://cms.mit.edu/research/theses/GeoffreyLong2007.pdf)
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