A aula da última quarta-feira contou com a apresentação do Prof. Ms. Dario Mesquita, membro do GEMInIS e cuja dissertação foi recentemente defendida no Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som. Dario veio apresentar as especificidades de seu objeto de pesquisa, de natureza transmidiática: os ARGs (Alternate Reality Games).
Os ARGs podem ser considerados narrativas complexas que se utilizam das potencialidades de cada plataforma disponível (papel, mídia eletrônica, mídia impressa, televisão, cinema) para se manifestarem como quebra-cabeças que atiçam os usuários para completar tarefas e desenrolar narrativas de maneira imersiva. Uma das características que possibilitam o envolvimento do público com a experiência proporcionada pelos ARGs é o ofuscamento da linha entre a realidade como percebemos e da realidade ficcional.
Os ARGs frequentemente também estão envolvidos em campanhas publicitárias e transmidiáticas que tem a função de divulgar o lançamento de algum produto, seja ele um produto físico, como uma empresa que produz e vende sucos de laranja e deseja criar uma história para que os consumidores se envolvam com sua marca, até aos bens simbólicos, como filmes e séries de TV. Consensualmente, é comum encontrar a definição de que o primeiro Jogo de Realidade Alternada a ser realizado foi o “The Beast”: criado pela Microsoft para divulgar o lançamento do filme Inteligência Artificial (AI), de Steven Spielberg, em 2001. A iniciativa foi criada pela empresa de tecnologia da informação como alternativa à proposta de desenvolvimento de um jogo eletrônico para a produção cinematográfica. Diz-se que, não encontrando suficiente potencial na narrativa do filme para expansões para videogames, os recursos destinados para isso foram utilizados para o desenvolvimento de uma narrativa com a participação dos fãs que misturasse o mundo ficcional ao mundo real.
Tendo como uma das bases de entrada uma propaganda do filme veiculada pela televisão, os fãs utilizaram a quebra de códigos (anagramas, frases em alfabeto hebraico, código morse, etc) para entrar em contato com o mundo do ARG. Alguns dos trailers mostrados em intervalos de programa de televisão mostravam especificidades: os créditos finais mostravam nomes conhecidos do ramo da indústria cinematográfica, como o roteirista e diretor Steven Spielberg, e o diretor de fotografia Januzs Kaminski, dentre outros. Em meio a esses indivíduos, um nome piscou em vermelho, e era creditado como “terapeuta de máquinas”.
Curiosos mais ávidos procuraram pelo nome e encontraram um website dado como pertencente à realidade não-ficcional em que vivemos em que a terapeuta de máquinas divulgava seu trabalho, realizado no futuro. Esse site serviu como provedor de novos códigos que levaram a novas resoluções e assim por diante. Por se tratar de um objeto desconhecido até então, o primeiro ARG causou sensação de conspiração e trouxe o desejo de resolução dos quebra-cabeças por ele estabelecido, já que ninguém sabia das regras e do funcionamento do experimento.
(Exemplo de “imersão” – curta Steps, de ZBIGNIEW RYBCZYNSKI (1989) trazendo a participação de personagens imersos na famosa escada de “O Encouraçado Potenkim” (Sergei Eisenstein, URSS, 1925)
Essa “sinergia” entre o mundo ficcional e o mundo real é uma das propriedades dos jogos de realidade alternada. Para que ocorra a imersão, ou seja, para que o espectador/participante/produtor tenha uma maior possibilidade de ativar suas capacidades de “crença” na ficção, é necessário que haja uma convergência entre os centros dêiticos do mundo ficcional e do mundo que as pessoas percebem como real. Uma das definições do centro dêitico de uma narrativa é dada por Rapaport et al:
“Nós sugerimos que cognitivamente uma narrativa se passa em um tempo e lugar por vez. Essa região [nas mente] funciona como o centro dêitico da narrativa. Se torna o “aqui” e o “agora” da mende de um leitor no mundo da história. Ele se move temporariamente como centro dos avanços das atividades e mudanças de ação. O centro dêitico também inclui a perspectiva pela qual os eventos são descritos. O “EU” muda de acordo com as mudanças de perspectiva de personagem para personagem” (RAPAPORT et al, p. 3). *
Portanto, com uma certa sincronicidade entre o centro dêitico, o mundo referencial do participante do ARG, ou seja, a temporalidade e objetos e características desse mundo, têm de estar presentes no centro no mundo criado pelo ARG para que haja uma negociação. Se os horários e dias ou características estéticas forem propriedades similares, o participante pode se transportar cognitivamente para a narrativa e ajudar em sua resolução, em um estado de imersão psicológica. A metáfora do mergulhador se adequa para essa noção de imersão: o participante está submerso na água, mas precisa submergir para tomar ar e não morrer; o participante do ARG está envolvido na narrativa ficcional que se utiliza dos espaços reais para funcionar, mas tem que emergir à consciência total e perceber que se trata de um “faz-de-conta” para poder solucionar o problema.
Mihaly Csikszentmihalyi e a teoria do Flow
O psicólogo positivo Mihaly Csikszentmihalyi traz algumas perspectivas que podem ajudar a enteder o conceito de imersão. Mihaly utiliza o termo “flow” (fluxo) para demonstrar um estágio em que, na realização de determinada tarefa, o nível de aprendizagem se iguala ao grau do desafio da realização da operação. Esse fluxo contínuo na experiência é capaz de gerar sensação de prazer. Tal “ganho” entretanto é uma “recompensa” atingida na mistura de sensações e sentimentos de diferentes origens e resultados. O prazer, portanto, de receber um fluxo que iguale as possibilidades de frustração e a capacidade de se atingir um objetivo, vem acompanhado em alguns momentos de frustração e dor.
(Imagem de http://www.flickr.com/photos/xdelrey/2971724402/)
Essa conjunção de fatores que envolve habilidade e desafio nos leva a pensar do fluxo de prazer em um jogo de videogame. Os alemães do FlowMessung (medição do fluxo) fizeram um experimento tentando contabilizar o nível de emoção, habilidade e recompensa prazeirosa, dentre outras sensações sentidas por um usuário jogando um game em primeira pessoa:
The Lost Experience: O objeto de estudo de Dario em sua pesquisa foi o ARG desenvolvido para a série de TV Lost entre a segunda e a terceira temporada. O ARG possuia desdobramentos em artefatos diegéticos “reais”, como pronunciamentos em emissoras de TV e publicações em jornais, bem como participação dos personagens em eventos da série, como a personagem hacker Rachel Blake, que tentava convencer os participantes da Comic-Con nos Estados Unidos de que o seriado seria uma estratégia de acobertamento de uma situação grave: a organização ficcional Dharma Iniciative, presente na diegese do seriado, na verdade existia e queria destruir o mundo através de seus experimentos científicos. O embaçamento da visão entre o real da história e o real do mundo mais uma vez foi utilizado; e para chegar até essa “hacker”, os fãs do seriado tiveram que decifrar inúmeros códigos-fonte de páginas de internet e seguir pistas migratórias entre que levavam o usuário de uma mídia até outra. (rádio-tv-jornal-internet, etc).
O quebra-cabeça foi resolvido pelos usuários e dentre os resultados pedaços de vídeo que formaram um vídeo “institucional” da Dharma, que explicava o objetivo dos números 4, 8, 15, 16, 23, 42. O curioso é que dentro do seriado os números tiveram outra explicação, considerada por muitos fãs menos satisfatórias. Esse tipo de inconsistência envolve problemas de canonicidade: o que faz parte da narrativa que é “dada como real”.
Os números segundo o resultado do ARG:
* [PDF] Deictic Centers and the Cognitive Structure of Narrative
* Ver http://www.ted.com/talks/lang/pt-br/mihaly_csikszentmihalyi_on_flow.html (Mihaly Csikszentmihalyi sobre o estado de Flow)
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