A aula da disciplina de Narrativa Transmídia e Mídias Locativas foi focada em conceitos e exemplificações que envolvem o tema “Transmídia e Mobilidade”
Uma das características principais das sociedades imergidas em redes é a tendência para a ubiquidade. Deste modo, é possível imaginar que a tendência à presença da internet nos mais diferentes tipos de objetos e dispositivos é uma demonstração iconográfica do funcionamento do capitalismo e dos modos de produção em geral, cujas interligações de formato rizomático (ou seja, em que é difícil encontrar o início e o fim das intersecções) estão sendo transportadas para os mais distintos campos da sociedade.
As redes, conectadas através de dispositivos com ou sem fio formam, portanto, uma camada informacional de realidade em cima do mundo “real” como conhecemos. Através de dispositivos como smartphones – ou seja, celulares com alta capacidade de computação de dados, conectividade e possibilidade de produção e consumo de conteúdo imagético e sonoro -, tablets, notebooks, netbooks e outros dispositivos que se conectam à internet, é possível notar várias novas formas de organização e criação de dados e mudanças comportamentais/cognitivas:
Mudanças cognitivas no consumo de conteúdo e no trabalho: as telas de tamanho pequeno ainda são entraves para o consumo de vídeos e filmes para os consumidores final. Entretanto, é possível notar mudanças graduais nos espectadores, que estão se acostumando a assistir televisão, vídeos e consumir imagens nos dispositivos móveis. É um fator difícil de ser julgado, e representa a esquizofrenia e contradição do sistema capitalista: por um lado aumentam-se as possibilidades de consumo de conteúdo (é possível assistir televisão, ver notícias, fotos etc). Por outro, a conectividade ubíqua e presente em grande parte dos locais e em grande parte do tempo do usuário pode ser escravizadora, gerando a necessidade constante de produção e consumo de conteúdo; além do possível aumento da jornada de trabalho, visto que o usuário de tais dispositivos pode ser facilmente encontrado fora de seu horário “oficial” do emprego – em outras palavras, com o celular, o usuário pode levar o trabalho para casa.
Voltando a descrever as mudanças cognitivas e psicológicas do consumo de narrativas e histórias em dispositivos móveis, tem que se destacar que novas tecnologias produzem novas formas de contar, produzir e participar de histórias. Os aplicativos móveis, softwares desenvolvidos para celulares, tablets, players de áudio com tela de toque, etc., juntamente com as capacidades tecnológicas de tais aparelhos, como geolocalização (GPS e cruzamento de dados de antenas que mostram a localização do usuário), acelerômetro (sensor de movimentação do usuário), bússola, câmeras, microfones, dentre outros, são capazes de produzir narrativas sinestésicas e colaborativas. Um exemplo é o aplicativo “Dimensions”, um jogo em que o participante, usando fone de ouvido, produz camadas sonoras em cima da camada “real” do som, tentando emular experiências psicodélicas e dimensões paralelas. Necessidades de movimentação, de estar em um determinado local (captado pela captura do GPS), de criação de fotos e de produção de sons através dos microfones fazem com que o usuário seja recompensado com novas fases e novas formas de construir histórias (que não são narrativas clássicas, mas sim conjunções de elementos caóticos capazes de gerar experiências cognitivas sinestésicas). A descrição de um objeto de estudo como esse é complicada, é necessário sentir e ver apresentações para compreender as totais capacidades de interação. Segue o vídeo abaixo:
O conteúdo televisual disponível em telefones celulares pode ser considerado ‘televisivo’ ou é transformado pelo contexto de visão e de tecnologia da plataforma para o ponto onde ele deve ser reconstruído como qualquer outra coisa? (EVANS, 2011, P.117)
Geolocalização e Geotags: Aplicativos que cruzam os dados de geolocalização como o Foursquare, ou aqueles que permitem que marcações sejam feitas em cima de vídeos e imagens captadas por smartphones e tablets são capazes de criar uma nova camada de realidade em cima de locais frequntados pelos usuários destas tecnologias. Essa nova camada de realidade é uma meta-camada, pois em grande parte são comentários sobre os lugares, como dicas aos consumidores de determinadas lojas. A marca de cervejas Stella Artois fez um aplicativo usando as possibilidades de geolocalização e marcação que permite que os apreciadores da bebida marquem bares que possuem o produto, façam comentários sobre eles, criem vídeos e fotos podendo contar histórias através da plataforma. Ao passar o celular por perto desses bares, o aplicativo detecta as marcações e histórias em vídeo das coordenadas geográficas e mostra a camada de “realidade” criada.
Ativismo digital – É fato que os dispositivos móveis com capacidades descritas neste artigo são partes de interesses de grandes companhias e podem ser utilizados para passar mensagens revolucionárias, como aconteceu na Primavera Árabe em que as redes de dispositivos móveis ajudaram a promover manifestações que combatiam regimes totalitários (havemos de nos perguntar o quão totalitários são os novos regimes, e o quanto de outros tipos de totalitarismo e preconceito estão embutidos no imaginário coletivo dos ocidentais também – esquizofrenias do capitalismo). Resta usar as ferramentas dadas para criar linhas de fugas e histórias que transpassem os interesses econômicos e visem o bem-estar. O risco de subverter uma sociedade de controle, em que somos vigiados e estamos nos acostumando a sê-los, ainda que incoscientemente, é o de que as subversões sejam novamente devoradas pelo sistema capitalista. Possibilidades como as dadas pelo Anonymous fazem com que o aspecto partidário e burocrático das relações de poder tendam a serem deixados mais de lado (ainda que seja impossível fugir de tais influências).
BIBLIOGRAFIA (os conceitos estão espalhados pelo texto acima):
BEIGUELMAN, G. e LA FERLA, J. Nomadismos Tecnológicos. São Paulo: Senac, 2011.
CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 199
DELEUZE, G; GUATTARI, F. Mil Platôs. São Paulo: Editora 34, 2002
EVANS, E. Transmedia Television: Audiences, New Media, and Daily Life. Nothingham, UK: Routledge, 2011.
LEMOS, A. Cultura das Redes. Salvador: EDUFBA, 2002
LEMOS, A. Cultura da mobilidade. Revista FAMECOS, Porto Alegre, n. 40, p.28-35, dez./2009.
MURRAY, J. Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Unesp: Itaú Cultural, 2003
Crédito da imagem: http://browse.deviantart.com/?qh=§ion=&q=rhizome#/d3f30kp
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